domingo, 26 de setembro de 2010

UPAS: Fantasmas do Inamps ou ameaças de retrocessos?


MARIA FÁTIMA DE SOUSA

Escrevo este artigo para relembrar as forças vivas do chamado movimento pela Reforma Sanitária Brasileira, que há três décadas, estavam todas unidas acima de qualquer posição partidária em defesa da democratização plena da saúde e dos processos de reorganização do sistema, serviços e de suas ações. Nesse caminho era consenso a necessidade de extinção do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS, que representava à época resistências a travessia nas pontes à construção do Sistema Único de Saúde (SUS). Todos, juntos, concordavam que se o INAMPS continuasse, seus fantasmas rodeariam o prédio do Ministério da Saúde, em forma de corpos mortos-vivos. Esses, do alto de suas experiências institucionais, capacitados em transitarem ano a ano entre governos e poderes, pautando o velho em forma de novo. Assim renascem, recriam-se e ampliam-se 500 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
As falas abaixo devem iluminar e educar atitudes de novos sujeitos, evidenciando para esses que é possível tomar atitudes firmes no presente, com bons exemplos do passado, para que possamos seguir com as forças vivas da sociedade, construindo o futuro do SUS, vejam: “No período que estive no INAMPS, pouco antes de sua extinção coordenada pelo Carlos Mosconi, eu atendia, na maior parte do tempo, a deputados e governadores, basicamente para auxiliar na aprovação de emendas parlamentares de obras e empreitadas e aumento do número de Autorização de Internação Hospitalar (AIH), geralmente com fins eleitorais”(GUEDES, apud FALEIROS, 2006, p. 147) ii. E quando o Itamar assume, o Henrique Hargreaves me comunicou que o presidente mandou me convidar para ser presidente do INAMPS. Aí eu disse: “olha, eu tenho dificuldade em aceitar, porque não sou favorável ao INAMPS. Eu gostaria de extinguir o INAMPS [...] Disse que o INAMPS era incompatível com o SUS e o Hargreaves me disse para explicar isso ao Presidente Itamar. Fui, expliquei, e mesmo assim, o Itamar Franco me convidou e imediatamente pediu que preparasse o ato de extinção do INAMPS. O líder do governo Roberto Freire escolheu Sérgio Arouca com relator. E aí conseguimos emplacar a morte do INAMPS. Mas o féretro foi dramático”, (MOSCONI, apud FALEIROS, 2006, p. 147) ii.
Esse ataúde continua no meio da estrada como uma grande pedra. A pedra que não dá passagem para os gestores compreenderem que nem todos os serviços são benéficos ou justificáveis. Alguns provocam malefícios, se não forem integrados pela Atenção Básica (AB) - Estratégia Saúde da Família (ESF), mediada por tecnologias de informação, educação e comunicação dentro das equipes, entre Atenção Básica e Especializada, sobretudo, entre as ESF, por meio dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e outros setores/segmentos da sociedade. Atitudes assim exigem planejamento entre os gestores do SUS, em redes integradas e regionalizadas para alocação apropriada de recursos de forma a olhar com o carinho merecido: (i) as necessidades de saúde de cada família e comunidade; (ii) o compartilhamento dos recursos (orientados pelo princípio da equidade e da justiça social); (iii) avaliar e monitorar mudanças/ganhos em saúde constantemente para garantir que as intervenções sejam efetivas e não provoquem qualquer prejuízo “imprevisto”. E esses fenômenos inesperados da natureza, são evitados quando contamos com as equipes do PSF funcionamento segundo a base que sustentam seus princípios organizativos.
Nessa direção, várias são as vozes que mencionam estar defendendo a expansão, com qualidade, da cobertura do PSF, inclusive para aprimorar o controle de endemias, onde informação, educação e orientação são fundamentais para reduzir a incidência e letalidade da malária, dengue, febre amarela, calazar, entre outras... repetem, veja só o caso de dengue. Tivemos quase 600 óbitos já em 2010. Basicamente pela falta de acesso oportuno a um serviço de saúde para orientar a hidratação, particularmente de crianças.
Portanto, faz-se necessário o compromisso dos governos para o fortalecimento da AB/ESF, sem nenhuma dúvida de sua relevância social-sanitária, pois já apresentou melhores resultados, a custos menores e com maior equidade em saúde. Já evidenciou melhorias na assistência ao pré-natal, parto e puerpério, e com isso a diminuição do número de crianças com baixo peso ao nascer; a redução da mortalidade infantil, especialmente a pós neonatal; menor número de anos de vida perdidos por suicídio; menor número de anos de vida perdidos, atribuídos a todas as causas com exceção de causas externas; maior expectativa de vida, essa com mais qualidade. Isso e mais todos nós já sabemos.
Sabemos mais que referência inapropriada aos especialistas leva a uma maior frequência de exames e mais resultados falsos positivos do que a referência adequada. Sabemos, ainda que, embora uma maior provisão de médicos na atenção primária esteja associada a uma melhor saúde nas populações, um maior número de especialistas não está em geral relacionado a melhores resultados. Se sabemos disso e mais, por que o país sente saudades do INAMPS? Insistem tanto em cuidar da doença, quando deveriam investir energias, inteligências e competências para cuidar da saúde! Já temos o caminho. Basta termos coragem de trilhar, radicalizando na universalização com qualidade do PSF, este voltando às origens na função sócio sanitária de coordenar redes integradas de saúde, mais efetivas, acolhedoras e humanas. Caso contrário, estaremos reproduzindo o passado em companhia dos seus fantasmas.
FÁTIMA SOUZA É Enfermeira, doutora em Ciências da Saúde, professora da Universidade de Brasília e coordenadora do Núcleo de Estudos de Saúde Pública da UnB.
ii FALEIROS, V.P. et al. A construção do SUS: histórias da reforma sanitária e do processo participativo. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

A falácia do discurso das partes em saúde: UBS, UPA, AMES, AMAS, POLICLÍNICAS, MUTIRÕES....


Gilson Carvalho

As eleições, a cada dois anos, nos assombram com suas falaciosas promessas. O período eleitoral, essencial ao debate democrático e com os candidatos, vira um tempo de falácias, aleivosias e mentiras deslavadas!

Certo dia me falaram de um grande marqueteiro político a quem se foi pedir ajuda para catapultar um candidato. Sua tônica era uma só: precisamos fazer PESQUISA QUALITATIVA. Fiquei empolgado com o grau de cientificismo do marqueteiro. Minha excelente impressão não durou muito tempo pois, já no momento seguinte ouvi a explicação de sua “pesquisa qualitativa”. Segundo ele, seus pesquisadores deveriam ouvir uma amostra significativa da população. A partir de suas respostas deveria ser construído o discurso do candidato. Quais os desejos, anseios e sonhos (qualitativa!!!) dos eleitores? Em seguida veio a recomendação ao candidato: “Feita a pesquisa, o candidato nunca pode dizer nem prometer nada que ali não conste. Discurso, panfleto, mídia: só devem falar que o candidato irá fazer o que querem e conste da pesquisa qualitativa!!!”

Vamos à questão saúde nesta campanha presidencial de 2010. O discurso político, mais uma vez, estará desfocado da defesa e garantia do direito a vida saúde de todos os brasileiros, a essência do SUS. O preceito constitucional tem como diretriz a integralidade da atenção com precedência das ações preventivas, sem prejuízo das ações assistenciais (CF198). Para que isto ocorra são necessárias várias frentes de trabalho: 1) o conteúdo da assistência enfocando a integralidade das ações de promoção, proteção e recuperação com prioridade para os problemas mais graves e de maior incidência; 2) precedência dos primeiros cuidados de saúde como porta de entrada no sistema usando o modelo de atenção básica como estruturante do sistema de saúde; 3) os profissionais, para fazerem estas ações têm que se constituir numa equipe multidisciplinar com plano de cargos, carreira e salário (Lei 8142, 4) e compromissos técnicos e humanos com a sociedade; 4) estruturação física e operacional de unidades de saúde que devem se interligar em rede: unidades básicas (UBS), de pronto atendimento (UPA), unidades de especialidades (UES, POLICLÍNICAS ou AMES), unidades hospitalares (Hospitais Gerais ou Especializados).

Aí começa a briga vesga da política partidária. Existem dois erros fundamentais: o foco em unidades físicas financiadas e estimuladas pelo governante de plantão; o foco “numa determinada parte do sistema” e o desleixo com o sistema único e cuidador do todo, da integralidade. Não se trata de fazer Unidades Básicas de Saúde - UBS em contraposição às Unidades de Pronto Atendimento – UPAS; Unidades Médicas de Especialidades – AMES versus Policlínicas; cirurgias eletivas de rotina versus mutirões de saúde.
O Sistema Único de Saúde – SUS deve ter completude e não exclusividade de algum de seus pedaços. Não se trata de um “mosaico partido”, mas, de um todo integrado de partes que fazem uma interface e se completam com num intricado quebra cabeças onde as peças sozinhas pouco ou nada significam.
O SUS tem uma porta de entrada que são os primeiros cuidados de saúde (Atenção Básica, Primária feita nas residências, nas comunidades, nas Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Saúde da Família. Estes primeiros cuidados têm, obrigatoriamente de desenvolver (CF 196) atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde. A organização da execução destas ações se faz pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde – PACS; Programa de Saúde da Família (Saúde em Casa, Saúde no Lar, Médico em Casa etc.); Unidades Básicas de Saúde - UBS; Unidades de Pronto Atendimento – UPAs. Em seguida, e concomitantemente outros níveis de atenção nas Unidades de Urgência-Emergência mais complexas, nas Policlínicas de Especialidades, nas Unidades de Assistência Médica de Especialidades – AMES. Finalmente na hierarquia da complexidade dos serviços hospitalares gerais e especializados.
Outra questão é a necessidade ou não de serem feitos procedimentos cirúrgicos no ritmo e modelo de mutirões. Por vezes temos necessidades de fazer intensivamente uma ação como vacinação em massa o que ocorreu com o H1 N1. Ou algum outro procedimento para acertar uma demanda reprimida contingencialmente. Entretanto, é essencial que se entenda que dia e hora de vacinar é na rotina do dia a dia, tanto para crianças como adultos. Hora e dia de se fazer uma cirurgia é na rotina da necessidade emergencial ou eletiva e não esperando que sejam negadas de início e depois se faça um mutirão para atender a demanda reprimida, com autorização centralizada em Brasilia.
Não nos iludamos com mutirões. Para que seja necessário o mutirão é preciso que seja precedido dum ato de violência qual seja o de negar o procedimento no momento que há necessidade dele. Isto chega a beirar ato de cinismo administrativo!
A explicação dos governos para a necessidade de mutirão é o desinteresse de hospitais, e profissionais para fazê-los na rotina. É uma explicação que só convence a incautos. Como muda o interesse de hospitais e profissionais para fazerem os mesmos procedimentos em regime de mutirão? Os procedimentos têm possibilidade de serem feitos se liberado o credenciamento para fazê-los e se forem pagos de maneira justa em preços e prazos. No mutirão abrem o credenciamento e pagam por tabela diferenciada um valor a mais que na rotina. Aí conseguem hospitais e profissionais. Por que não fazê-lo no dia a dia da necessidade: mais credenciamento e melhor pagamento? Provoca-se o mal, estabelece-se o caos e depois surge a solução mágica do salvador da pátria: vamos fazer mutirão! A solução para o mutirão é abrir vagas na rotina para que nenhuma fila seja “produzida” para, ao depois se produzir a solução falsa! É falsa a contraposição entre ser contra ou a favor de mutirão. Falácia. A contraposição correta que deve ser feita é entre o mutirão possível no futuro e o atendimento agora, de acordo com a necessidade.
Mais uma questão: investir na construção de unidades de saúde, básicas ou emergenciais é a parte menos dispendiosa. O mais difícil e caro é manter estas unidades funcionando com sua maior capacidade. Este ônus de manutenção de serviços tem recaído sobre os municípios que têm menor arrecadação para a saúde. Os municípios é que têm mantido hoje a maioria dos programas ditos federais decantados pelos vários ministros da saúde e suas equipes, como ações do Ministério!
Por exemplo, podemos citar: o Piso da Atenção Básica – PAB quando implantado pela NOB-1996 pelo MS e executado pelos municípios era de R$12/hab e hoje, se corrigido pelo IGPM deveria estar em R$38/hab. Entretanto, hoje o MS transfere aos municípios R$18/hab/ano. A diferença (R$18 para R$38) é assumida pelos municípios!
Mais um exemplo. O Programa de Saúde da Família é mantido por uma equipe mínima inicialmente paga inteiramente pelo MS. Hoje a equipe de médico, enfermeiro, auxiliar/técnico e 4 a 6 agentes de saúde custa ao município no mínimo 20 mil reais e o Ministério da Saúde transfere apenas e tão somente R$6.400 por equipe! Com os valores referente à equipe de saúde bucal – Dentista e Auxiliar de Saúde Bucal acontece o mesmo. Os municípios recebem do Ministério da Saúde apenas R$2.000 e seus custo mínimo para os municípios é por volta de 10 mil mensais. O SAMU deveria ser mantido 50% pelo MS, 25% pelos Estados e 25% pelos Municípios. Na maioria dos lugares que implantaram o SAMU os municípios têm tido a despesa de quase 70% dos custos. Pior, as Unidades Avançadas de Suporte, que se associam ao SAMU estão sendo mantidas quase que exclusivamente pelos municípios.
Feitas as UPAS, as UBS, os AMES, as Policlínicas com o dividendo político de “fazer unidades”, construir, vem a parte mais dispendiosa que é manter estas unidades.
Não nos deixemos iludir pelas falácias eleitoreiras. Queremos um sistema de saúde com integralidade e que tenha espaços que se complementam com desenvolvimento de ações de primeiros cuidados, emergenciais, especializados e hospitalares com cirurgias e internações clínicas.

Mais uma vez, que assim seja!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Saúde, principal problema do país é pouco debatido entre os candidatos.

Maria Inês Nassif - de São Paulo.

Prioridade para o eleitor, segundo todas as pesquisas de opinião, a saúde é também um dos temas menos debatidos da atual campanha presidencial. Durante um mês, o Valor colheu junto à campanha dos principais candidatos à Presidência e a especialistas no tema, quais são os gargalos do setor e no que convergem e divergem as propostas para 2011.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é a grande concordância.
Nenhum dos três primeiros colocados na disputa a presidente da República questiona o conceito de direito universal à saúde definido pela Constituição de 1988. Não poderia ser diferente.
O SUS é produto de uma mobilização intensa de médicos sanitaristas, iniciada nos anos 70 e consagrada, em 1987, com a apresentação à Constituinte da primeira emenda de iniciativa popular no país, com mais de 100 mil assinaturas. O movimento articulado ainda na ditadura construiu, linha por linha, o capítulo da Saúde Pública na Constituição de 1988; de lá saíram os principais formuladores da área que hoje estão abrigados no PT de Dilma Rousseff, no PSDB de José Serra, no PV de Marina Silva e no PSOL de Plínio de Arruda Sampaio.
Foi no chamado "Partido Sanitarista" que Serra, quando ministro da Saúde (1998-2002), escolheu quadros técnicos para assessorálo. Têm a mesma origem os técnicos do Ministério da Saúde do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, incluído o ministro José Gomes Temporão, um sanitarista de carteirinha.
"Fui para a periferia de São Paulo em 1976, trabalhar como voluntário na paróquia da Igreja de Bom Jesus de Cangaíba", conta o vereador Gilberto Natalini (PSDB), um dos responsáveis pelo programa de saúde tucano.
Natalini vinha do movimento universitário, era ligado ao PCdoB e participava da articulação sanitarista. Era forte a participação do PCB e da esquerda católica no movimento. Em São Paulo, o Movimento Popular pela Saúde tomou a periferia. Fábio Feldman, hoje candidato a governador pelo PV, era um dos militantes.
Em Itaquera, o secretário do Meio Ambiente da prefeitura de São Paulo, Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho (PV), um dos formuladores do programa de saúde de Marina Silva, era funcionário público e iniciava sua longa trajetória como sanitarista.
Qualquer que seja o eleito, o SUS não está sob ameaça, conforme revelam os reiterados programas eleitorais de Serra, Dilma e Marina. "O sistema está assegurado pela Constituição brasileira", diz o sanitarista Eduardo Freese, ao constatar que, do início do movimento, na ditadura, até hoje, quase 40 anos depois, a estrutura do SUS andou muito. "A gente cabia numa Kombi. Hoje somos milhões de trabalhadores no SUS", diz Freese, diretor do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, de Pernambuco, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz.
"A construção da política universalista da saúde foi inspirada no socialismo e na socialdemocracia.
Essa foi a proposta mais bem elaborada da Constituinte", afirma Eduardo Jorge, que diz não ter "problema nenhum" em reconhecer "o que os outros" (governos) fizeram para consolidar a política.
No fim do mês passado, representantes dos quatro principais candidatos a presidente foram ao Congresso da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) para expor aos médicos sanitaristas os programas relativos à Saúde Pública. Estavam presentes Renilson Rehen de Souza (PSDB), Humberto Costa (PT), Eduardo Jorge (PV) e Lúcio Barcelos (PSOL). O presidente da entidade, Luiz Facchini, abriu o debate lembrando as semelhanças: "Temos um denominador comum muito importante. Todos os integrantes da mesa são integrantes de longa data do movimento de reforma sanitária, da construção do SUS e da participação nos eventos da Abrasco", disse.
O Sistema Único de Saúde é considerado uma boa política pública, mas uma obra inacabada.
O programa de Marina o define como "a maior política pública em construção no Brasil".
Todos, sem exceção, inclusive o representante do partido governista, consideram a questão do financiamento da saúde como um ponto fundamental. Está nas preocupações dos candidatos o fortalecimento da atenção primária.
Preocupa também a formação de médicos generalistas, fundamentais à expansão do atendimento à saúde básica, hoje relegada ao segundo plano pelas faculdades de medicina.
Também está presente a ideia de que o conceito de saúde universal não elevou a promoção e a prevenção da saúde a carroschefes do SUS, 22 anos depois de sua criação. E que é preciso arrumar um termo de convivência justo entre a saúde pública e a saúde complementar.
As divergências ficam por conta das formas de gestão da saúde pública. "Existe um grande debate sobre modelos de gestão.
Há quem defenda um modelo fundamentalmente estatal, há quem queira a participação estatal e de organizações sociais e há quem seja completamente contra a administração direta", resume o ex-ministro Humberto Costa (PT). Exceto pela posição totalmente contrária à administração direta, dentro do PT existem as demais variantes. "Quem trabalhou mais com gestão defende modelos mais flexíveis. O pessoal mais ligado à organização sindical quer apenas administração direta", resume Costa.
Para Freese, a grande diferença que se pode estabelecer entre os governos tucano e petista, nos últimos quase 16 anos, é a maior ou menor propensão a incorporar quadros terceirizados na área da saúde. "No governo anterior, a visão em relação aos trabalhadores do SUS era outra. Não foram feitos concursos, não houve aumento de salário. Não vou dizer que o Serra é privatista, mas posso dizer que este governo (de Lula) avançou mais no Programa de Saúde da Família (PSF)", diz.
"Não tem como abrir mão das entidades filantrópicas", defende Natalini. "São Paulo tem 420 Santa Casas e similares. A grande oferta de leitos do SUS no Estado vem das filantrópicas", diz o vereador tucano. Para outro sanitarista ligado ao PSDB, também o PT vem assumindo posições mais maleáveis em relação à gestão porque, como governo, teve que assimilar outros atores que não o poder público. Na Bahia, por exemplo, o governador Jaques Wagner (PT) não teve como desmontar uma rede de saúde pública em que organizações sociais têm grande importância na prestação de serviços. "O problema é que o modelo de incorporação de organizações sociais ao sistema surgiu primeiro em São Paulo e veio como o carimbo tucano, com um bico deste tamanho", diz o integrante do PSDB, para explicar as resistências a um modelo misto.
A "obra inacabada" do SUS termina quando o acesso à saúde estiver de fato universalizado. "É preciso dar prioridade ao SUS", diz um tucano. Isso quer dizer aumentar o financiamento. Segundo o raciocínio da fonte do PSDB, o dinheiro que vai para o SUS teoricamente tem que cobrir 100% da população em todos os aspectos ligados à saúde: Vigilância Sanitária, vacinação, controle, atenção básica e atendimento especializado - este é o princípio constitucional da universalidade de acesso. Cerca de 25% da população tem saúde suplementar, ou seja, um plano de saúde, e estes são parcialmente atendidos pelo sistema público, nos casos em que não há cobertura - normalmente, procedimentos de alta complexidade. Os outros 75% dependem exclusivamente da saúde pública. O Estado brasileiro (governos federal, estaduais e municipais) dedica à saúde pública menos da metade dos recursos que circulam na saúde suplementar. O dinheiro público ainda tem que suprir os casos de omissão da saúde suplementar.
"Gasta-se com saúde no Brasil cerca de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) e, deste total, o gasto público é de 3,6% do PIB. O gasto público se situa entre 40 e 42% do gasto total com a saúde.
Países que têm a saúde universalizada gastam de 8% a 9% do PB, mas 75% é gasto público. No total, cerca de 58% do gasto com saúde no Brasil atende apenas 25% da população. Há aí um problema de financiamento seríssimo", diz o sanitarista tucano.
Embora o diagnóstico de que o maior problema da saúde pública é o financiamento seja comum a todos os programas de governo, em época eleitoral não se recomenda falar em novos impostos. A candidata do PT, Dilma Rousseff, publicamente lamentou a derrubada da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) - criada na gestão de Adib Jatene no Ministério da Saúde, no governo Fernando Henrique, e derrubada no governo Lula, com a ajuda do PSDB -, mas, em vez de defender a volta do imposto, afirma que o orçamento da saúde poderá ser fortalecido pelo aumento de receita decorrente do crescimento econômico. Segundo Natalini, a questão do financiamento será tratado em tempo oportuno pela equipe econômica de Serra, caso ele vença as eleições. Esta é a mesma posição de Eduardo Jorge, um dos formuladores do programa de saúde do PV. "Esse tipo de coisa exige reforma tributária ou remanejamento de recursos orçamentários, mas Marina não vai tratar disso agora", diz o secretário.
Existe um entendimento de que não há "clima" para novos impostos.
"Há entendimento de que é preciso criar fontes novas de financiamento da saúde e há consenso também de regulamentar a Emenda 29", afirma Costa, do PT, sem também dar uma ideia de como o PT irá resolver a regulamentação sem mais dinheiro.
A famosa emenda 29 foi aprovada no governo Fernando Henrique, no ano 2000, quando Serra era ministro, obrigou os Estados e municípios a aplicarem, respectivamente, 12% e 15% da arrecadação dos impostos em ações e serviços de saúde. A União, por sua vez, deveria ter investido em 2000 o mesmo valor gasto em 1999 com o setor, mais cinco por cento. Nos anos seguintes, este valor teria que ser corrigido pela variação do Produto Interno Bruto (PIB). A regulamentação da EC 29 há sete anos tramita no Congresso.
Uma de suas versões foi inviabilizada pela derrubada da CPMF e outra inclui uma Contribuição Social para a Saúde (CSS).
A falta de fonte de financiamento tem impedido um acordo para votar a regulamentação - e acordos sempre foram possíveis entre a "bancada sanitarista", independente do partido a que pertençam seus integrantes. Sem definições claras do que seja gasto em saúde, os Estados driblam o piso de gastos definido pela emenda, de 12% da arrecadação.
"Há consenso de que é necessário regulamentar a Emenda 29.
A saúde é uma prioridade para Dilma. Se os recursos virão por redirecionamento ou criação de uma outra fonte, essa é uma questão para a futura equipe econômica do governo", afirma Costa. "O Serra está assumindo a aprovação da regulamentação da emenda sem dinheiro novo.
Na hora que regulamentar governador nenhum vai poder mais enganar", diz Natalini, para quem as distorções criadas pela não regulamentação sobrecarregaram especialmente os municípios.
"Quem tunga são o governo federal e os estaduais", reforça.
"Metade dos Estados não está cumprindo a emenda 29 e o governo federal consente", afirma Eduardo Jorge. "Tem que dar peso político para a aprovação da regulamentação, para evitar qualquer tipo de malandragem, e começar a gastar mais dinheiro federal para chegar progressivamente às porcentagens estabelecidas pela legislação, que é de 10% da receita corrente". Este percentual foi definido numa das versões da regulamentação em tramitação, de autoria do senador Tião Viana (PT-AC).
A prioridade à atenção básica está em todos os programas - e, entre os sanitaristas envolvidos nos programas de governo dos candidatos, tornar a atenção básica o carro-chefe do sistema ainda é um desafio distante. "O Brasil herdou do período préSUS a cultura de dar prioridade à recuperação da saúde, com certa atenção à prevenção - o Brasil é um dos melhores do mundo em vacinação -, mas promoção quase nenhuma", afirma Eduardo Jorge. Para ele, a conquista do SUS não resultou, automaticamente, na priorização da saúde básica. "A atenção é super-especializada: o Orçamento prioriza isso e também é da superespecialização que vem o prestígio dos profissionais". A tentativa do SUS de mudar essa prioridade foi a criação do Programa de Saúde da Família (PSF). "O programa foi uma adaptação bem brasileira, só que é preciso ampliá-lo em quantidade e qualidade, para que exerça o papel de líder do sistema", afirma o secretário municipal do Meio Ambiente.
Embora ainda não seja a locomotiva do SUS, o fato é que o PSF foi uma experiência que foi mantida e ampliada, ao longo dos governos.
"Serra ampliou as equipes de saúde da família, de 1800 para quase 18 mil", afirma Natalini. O material de campanha de Dilma informa que, em 2003, quando o PT assumiu a Presidência, existiam 19 mil equipes de saúde da família em 4,4 mil municípios; hoje, seriam 30 mil equipes em 5.250 municípios. Os agentes comunitários de saúde, que são peça fundamental do PSF, eram 176 mil e hoje são 235 mil. Há, no entanto, o reconhecimento de todos os candidatos de que falta mão de obra especializada para expandir o PSF. Eduardo Jorge, do PV, propõe um "trabalho intersetorial" entre educação e saúde, para que as universidades formem, em suas turmas, pelo menos 40% de generalistas.
"Hoje, em 100 médicos que as universidades formam, apenas dois são generalistas", diz.
Um serviço solidário, em vez do serviço militar obrigatório, poderia instituir que no último ano do curso de medicina e no primeiro ano de formado, o médico vá trabalhar na sociedade, articulado com a instituição de ensino. "O sistema é formado por médicos cada vez mais especialistas. A saúde preventiva tem que lidar com a saúde, e não apenas com a doença", concorda o tucano. O programa do PT fala em "ampliação do aparelho formador" de médicos para suprir a necessidade de recursos humanos do sistema.
Os Ambulatórios de Medicina Especializada (AMES) prometidos por Serra e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do atual governo, que Dilma promete aumentar, têm peso eleitoral, mas na concepção sanitarista seriam uma forma de desconcentrar os atendimentos em hospitais do SUS. São ações destinadas a melhorar o acesso ao sistema e a sua qualidade. Para Eduardo Jorge, o salto de qualidade do sistema pode ser obtido com a articulação do PSF com especialistas.
"Os especialistas têm que ter territórios para os quais ele é referência", afirma o secretário.
Formuladores dos três principais programas participaram da mobilização pelo SUS e concordam sobre modelo
Regulamentação da Emenda 29 é consenso, mas nenhum candidato indica a fonte de recursos.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Debate.

Debate: Ricardo Menezes responde a artigo assinado por Armando Raggio e Marcio Almeida sobre o SUS
Texto, publicado no site do Cebes, intitulado “19 de setembro: 20 anos de SUS” comenta que, apesar dos avanços e das conquistas, “a saúde continua sendo um problema crítico para milhões de brasileiros”.SUS: O Equívoco Político do Mudancismo
Ricardo Menezes*.

Registramos os 20 anos da Lei [lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 – Lei Orgânica da Saúde]. Devemos comemorar as conquistas que ela propiciou. Mas precisamos também trabalhar pela sua atualização. Defendemos a revisão da Lei Orgânica da Saúde. Novos modelos de atenção, novos modelos de gestão precisam ser implantados. Desta vez, de baixo para cima. Ou seja, dos municípios para os estados e destes para a União.(Almeda, M.; Raggio, A. 19 de setembro: 20 anos de SUS. Boletim do CEBES, 17 set. 2010)

O mudancismo e o interdito político das elites econômicas e políticas conservadoras brasileiras, no caso do Sistema Único de Saúde (SUS), até agora vem dando certo na inviabilização da sua consolidação. Neste sentido, o artigo cujo trecho encontra-se em epigrafe, intitulado 19 de setembro: 20 anos de SUS, a par de não ser rigoroso historicamente por trazer análise ufanista em relação à implantação do SUS, surpreende porque apresenta defensores do SUS adotando o discurso mudancista das elites conservadoras, o que vem a ser um imenso equívoco político. Falar de "revisão da Lei Orgânica da Saúde" – lei nº 8.080, de 19-09-1990 –, porque, segundo os autores, "novos modelos de atenção, novos modelos de gestão precisam ser implantados. Desta vez, de baixo para cima. Ou seja, dos municípios para os estados e destes para a União", pode passar as seguintes impressões para um jovem que venha a ler o artigo: a) a de que a Lei Orgânica da Saúde foi concebida "pelo alto" e não contempla suficientemente as competências e as atribuições da União, dos estados, do Distrito Federal e das municipalidades, o que todos sabemos não ser verdadeiro;
b) a de que o nível de detalhamento da lei é tal que deveria dar conta, então, de supostos "novos modelos de atenção, novos modelos de gestão", os quais, aliás, os autores não explicitam quais seriam. Ou seja, a verdadeira revolução da Saúde no Brasil se constituiria, de fato, na implantação do Sistema Único de Saúde, em conformidade com o estabelecido na Constituição Federal de 1988 (CF de 1988) e centralmente disciplinado pela Lei Orgânica da Saúde, porém, por natural, interrompendo-se a atual relação pouquíssimo transparente e anti-SUS existente entre o interesse público e o interesse privado na Saúde e enfrentado-se com desassombro político os reais problemas que estão fazendo do SUS, como regra, um sistema para os pobres e complementar aos interesses privados que operam na Saúde. Diga-se, por fim, que os autores não enfrentam nenhum dos reais problemas que estão mutilando, a cada ano um pouco mais, o SUS realmente existente, a saber: 1. a não regulamentação do financiamento da Saúde, inscrito na CF de 1988 através da aprovação da Emenda Constitucional nº 29/2000; o insuficientíssimo investimento público na Saúde e a escandalosa renúncia fiscal da União e as desonerações diversas patrocinadas pela União, estados e municipalidades em detrimento do aporte de recursos no SUS;2. a Saúde – área intensiva em utilização de mão-de-obra – constar na base de cálculo da lei de responsabilidade fiscal;3. a Saúde ainda estar sob o alcance da DRU;4. a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, efetivamente não estar cumprindo integralmente a lei que obriga as operadoras de planos e seguros de saúde a realizarem o ressarcimento ao SUS das despesas com o atendimento dos seus afiliados. É pífia a atuação da ANS quanto ao ressarcimento!;5. a ausência de protagonismo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, no que se refere às suas atribuições precípuas, ou seja, a coordenação nacional, e a execução aonde for necessário em face da impossibilidade do estado e do município fazê-lo, de ações programáticas relativas à vigilância sanitária de serviços de saúde; o reduzido protagonismo quanto à vigilância sanitária de produtos, excetuando-se os medicamentos, e a ausência de protagonismo quanto à vigilância sanitária de ambientes e processos de trabalho; 6. a não discussão da necessidade de criação de uma carreira nacional – referente às atividades gerenciais e às atividades fim do SUS –, em articulação com estados, Distrito Federal e municipalidades, porém constituindo-se em carreira federal com caráter meritocrático a prover o SUS de quadros técnicos muito bem pagos e com permanente perspectiva de ascensão funcional;7. a "porta de entrada" do SUS, a rede de atenção primária, salvo exceções de praxe, globalmente é pouco resolutiva e, ainda por cima, não se coloca como opção aos trabalhadores de categorias mais organizadas, portanto, com maior poder de pressão política, e às camadas médias;8. o estrangulamento da prestação de serviços de média complexidade é inegável no SUS, e 9. cabe indagar: quantos milhões de brasileiros e brasileiras ainda não tem acesso à atenção primária? Quantos milhões esperam por período de tempo inaceitável para serem submetidos a procedimentos de média complexidade? A rede de urgência e emergência e o serviço de remoção de pacientes (SAMU) estão implantados em todo o território nacional? De certo outros problemas existem, mas termino chamando a atenção para o óbvio: preocupações gerenciais e, muito menos ainda, mudancismo no arcabouço jurídico-normativo do SUS, são iniciativas incompreensíveis quando descoladas da urgente necessidade de regulamentação do financiamento da Saúde; do provimento adequado e estável de recursos humanos; da garantia de acesso adequado onde ele é moroso e garantí-lo aonde ele não existe e, finalmente, da didática – do ponto de vista democrático – proibição da "dupla porta" em equipamento públicos de saúde, em especial nos hospitais. A consolidação do Sistema de Saúde nacional público e universal, o SUS, é uma luta cada vez mais dura! * Ricardo Menezes é médico sanitarista da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Acreditação, Ética e Cidadania como Processos Indutores da Qualidade Hospitalar.

André Cezar Medici

Este é o primeiro de dois artigos que abordam alguns fatores indutores da qualidade hospitalar. Trata do tema da acreditação como um processo de melhoria da qualidade hospitalar que induz o cidadão a tomar de decisões informadas sobre que instituição de saúde deve buscar. O segundo artigo, a ser publicado na próxima postagem, tratará do tema dos rankings públicos de qualidade de hospitais, com metodologias construídas coletivamente e validadas por entidades externas. Algumas revistas semanais, como US News e América Economia tem facilitado difundido rankings para que os consumidores tenham acesso a mais informação processada sobre a qualidade hospitalar.Segue abaixo o primeiro artigo.

Ética, Liberdade de Escolha e Qualidade Institucional

Uma das maiores conquistas da humanidade (mas ainda longe de ser plenamente alcançada) é o direito à liberdade de escolher. Foi necessário derrubar a escravidão, a servidão, as desigualdades de gênero, os preconceitos raciais, culturais, sociais e as ditaduras, inclusive aquelas feitas em nome da religião e do proletariado, para garantir passo a passo esse direito.

Mas a liberdade de escolha nem sempre é fácil de alcançar se a informação e as oportunidades não estão acessíveis de forma equitativa e transparente para todos. Neste sentido, medir, avaliar, comparar, tornar acessível e disseminar são necessidades indispensáveis numa sociedade baseada na escolha.

Como os cidadãos podem se proteger de falsas promessas ao adquirir bens e serviços dos setores públicos e privados se não tem acesso a avaliações sérias e comparações baseadas em evidências entre aqueles que entregam estes bens e serviços? Como poderão escolher os produtores e produtos que mais atendem às suas aspirações e necessidades? Como poderão escolher representantes que tenham as condutas éticas para garantir estes direitos?

Não importa se a entrega é feita pelo Estado ou pelo setor privado. É um engano pensar ou iludir a população dizendo que o Estado entrega gratuitamente renda, bens ou serviços ou que o mercado garante automaticamente o acesso, a eficiência e a qualidade na entrega. Os cidadãos pagam impostos diretos, indiretos e taxas para que o Estado os retorne sob a forma de regulações adequadas, bens e serviços, buscando corrigir (muitas vêzes sem sucesso) as distorções inaceitáveis na concentração de renda para garantir mais a quem precisa. Portanto, tudo tem seu preço e quem paga somos nós.

A qualidade das instituições públicas ou privadas está diretamente relacionada à quantidade e a qualidade da informação brindada à sociedade para que a população possa exercer seu direito de escolha. Esta informação deve conter especificações, não apenas sobre a natureza e qualidade dos bens e serviços oferecidos, mas também sobre os aspectos de funcionamento da instituição que os entrega – seus mecanismos de transparência, sua responsabilidade social corporativa, seus mecanismos de avaliação e controle interno e as instâncias de avaliação externa independentes que asseguram que a instituição funcione com base em princípios éticos, eficiência e qualidade.

Devem, además, oferecer acesso fácil aos cidadãos para a resposta adequada a queixas e reclamações. Informações sobre qualidade, custo, alcance e resultados da atuação institucional são indispensáveis para que os cidadãos se orientem sobre suas escolhas e reclamem pelos seus direitos quando lesados em comparação com as expectativas geradas ou aos direitos adquiridos.

Qualidade Institucional e Escolhas no Setor Saúde

Em determinados setores como a saúde, onde o funcionamento é complexo e os produtos – bens e serviços - não são singulares e auto-explicativos, a avaliação da qualidade para orientar a escolha dos cidadãos também é complexa. A assimetria da informação entre quem produz e quem consome serviços de saúde, coloca o cidadão refém das decisões tomadas por especialistas ou pelas próprias instituições. Somente a geração de informação para a avaliação com base em metodologias consensuadas que envolvam as necessidades reais dos pacientes podem reduzir estas assimetrias. Nestes setores, processos de avaliação baseados em bench-marking ou na elaboração de rankings sobre um conjunto amplo de aspectos relacionados ao funcionamento institucional, aos insumos utilizados, ao processo de trabalho, à incorporação de tecnologia, aos recursos humanos e à atenção dada ao paciente, são indispensáveis para orientar os cidadãos em suas escolhas.

Por este motivo, os cidadãos, apesar da essencialidade do setor saúde, tem dificuldades em determinar critérios ou obter a informação adequada para orientar suas escolhas sobre quais instituições de saúde buscar. Para cobrir estas lacunas, muitas instituições tem se dedicado nos últimos anos a se inserir voluntariamente em processos de avaliação e acreditação de saúde, os quais fornecem uma espécie de selo de garantia para que os cidadãos possam confiar nos serviços oferecidos por estabelecimentos de saúde de distinta natureza.

Programas Internacionais de Acreditação Hospitalar

A iniciativa mais antiga no campo da acreditação em saúde, foi a criação da Joint Commission for Accreditation on Health Care Organizations (JCAHO) nos Estados Unidos da América em 1951, a qual busca, através da avaliação de hospitais, laboratórios e clínicas, identificar os mecanismos para alcançar a excelência na prestação de cuidados, de forma segura, eficaz e custo-efetiva para os cidadãos. Atualmente a Joint Commission, como instituição independente e sem fins lucrativos, avalia e acredita mais de 18.000 organizações e programas de saúde nos Estados Unidos. Para ser acreditada e manter um selo de qualidade, a instituição de saúde deve ser submetida, pelo menos a cada três anos, a uma vistoria no local por uma equipe de pesquisa da JCAHO e implementar as recomendações dos avaliadores para corrigir eventuais problemas identificados.

Em 1994 foi criada a Joint Commission International (JCI) como um braço internacional da JCAHO. A JCI tem trabalhado com organizações de saúde públicas e privadas, ministérios da saúde, e organizações globais em mais de 80 países, buscando aumentar a segurança dos cuidados de saúde ao nivel mundial através da prestação de serviços de certificação e acreditação, bem como através de consultoria e serviços educativos que visam ajudar as organizações de saúde a implementar soluções práticas e sustentáveis.

Os esforços internacionais para coordenar e criar estándares comuns no campo da avaliação e acreditação hospitalar começaram a crescer desde os anos setenta, ainda que de forma isolada. Mas em 1985, um grupo internacional de profissionais de gestão hospitalar se reuniu em em Udine (Itália) para discutir padrões e processos para a garantia de qualidade em saúde, sob influência de Avedis Donabedian. Esta reunião gerou um movimento que, sob a liderança de Peter Reizenstein, criou uma Conferência Anual. Deste esforço surgiu, em 1995, a International Society for Quality in Health Care (ISQUA). Como sociedade sem fins lucrativos e independente, gerida por um Conselho Executivo eleito a cada dois anos, a instituição se sediou em em Melbourne na Austrália. Os países que integram o conselho da ISQUA se localizam na América do Norte, Europa, Ásia e Oceania. Em 2008 sua sede se transferiu de Melbourne para Dublin, na Irlanda.

Em 1999 a ISQUA estabeleceu o programa internacional de Acreditação (IAP), destinado a acreditar internacionalmente instituições acreditadoras de hospitais e estabelecimentos de saúde, de acordo com os estándares e padrões adotados pela ISQUA. Em setembro de 2010 cerca de 17 organizações internacionais estavam acreditadas pelO IAP para aplicar 28 conjuntos de standards de acreditação. A ISQUA também supervisiona, ao nivel internacional, 6 programas de treinamento de acreditadores de qualidade hospitalar.

Em setembro de 2007, a JCI foi acreditada pela ISQUA como instituição internacional de acreditação de estabalecimento de saúde. A acreditação pela ISQUA garante que as normas, treinamento e processos utilizados pela JCI para o levantamento do desempenho das organizações de saúde atendam os mais elevados padrões internacionais das entidades de acreditação.

A Acreditação de Hospitais No Brasil

Os primeiros esforços de acreditação hospitalar no Brasil se realizaram a partir no setor público dado ser esse o principal financiador de hospitais no país. Nos anos setenta, com o objetivo de classificar os hospitais quanto a qualidade para efeitos de pagamento diferenciado, o então Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) estabeleceu Regras de Classificação Hospitalar (RECLAR). A idéia de avaliação e classificação hospitalar com o sistemas estabelecido se mostrou instável e foi abandonada, sendo retomada somente no final dos anos 1990 quando o Ministério da Saúde cria o “Programa de garantia e aprimoramento da qualidade em saúde”. Deste fato se desdobram: a criação do “Programa de Avaliação e Certificação de Qualidade em Saúde – PACQS”, da Organização Nacional de Acreditação – ONA, e do Consórcio Brasileiro de Acreditação – CBA; esta última filiada à JCAHO.

Estas duas instituições nacionais – ONA e CBA - competem pelo mercado nacional de aferição da qualidade hospitalar. A ONA foi criada por um incentivo do Ministério da Saúde o qual se consubstanciou na emissão da Portaria nº. 538, de 17 de abril de 2001. Por esta Portaria, a ONA foi considerada “instituição competente e autorizada a operacionalizar o desenvolvimento do processo de acreditação hospitalar no Brasil”.
Este processo foi ainda cristalizado quando no mesmo ano o Ministério publicou o “Manual Brasileiro de Acreditação Hospitalar - 3ª Edição”. (Portaria nº. 1.970, de 25 de outubro de 2001), o qual foi elaborado pela ONA.

O processo de acreditação de hospitais através dos critérios da ONA se define em três níveis. No primeiro nivel (estrutura) se busca garantir: (a) a segurança do estabelecimento, através de instalações físicas, sanitárias e equipamentos que não envolvam riscos a pacientes e profissionais de saúde; (b) a qualificação mínima adequada dos recursos humanos e; (c) a infra-estrutura física necessária para assegurar que os serviços executados sejam entregues de forma consistente com a missão institucional.

No segundo nivel (processos) se procura aferir (a) normas, rotinas e procedimentos documentados, disponíveis e atualizados; (b) estratégias para a melhoria dos processos e protocolos de atenção; (c) evidencia de um modelo organizacional voltado a satisfação do usuário.

No tercerio nível (resultados), se procura avaliar a qualidade da gestão através: (a) da evidência de ciclos de melhoria dos processos impactando de forma sistêmica toda a organização; (b) da existência de sistemas consistentes de informação Institucional, baseados em indicadores operacionais, econômico-financeiros contábeis e de qualidade dos processos e produtos que levem o hospital a avaliar o resultado de suas estratégicas e; (c) sistemas de verificação da satisfação do usuário e evidências formais baseadas em bench-marking e na avaliação externa de que a estratégia implantada tem impacto na melhoria da qualidade e produtividade.

O processo de acreditação da CBA segue os protocolos, guias e estándares estabelecidos pela JCAHO, os quais inicialmente eram mais rígidos e não se dividiam em estágios. Atualmente, a JCAHO tem flexibilizado suas regras buscando processos onde os estándares possam ser alcançados progressivamente através de níveis intermediários de acreditação.

Ao início da presente década o Ministério da Saúde e a ANVISA tiveram uma relação bastante estreita com a ONA, realizando convênios para o repasse de recursos financeiros para que esta instituição desencadeasse o mercado de acreditação hospitalar no Brasil e para que ela orientasse outras instituições para serem acreditadoras utilizando sua prpopria metodologia. As próprias normas de licenciamento hospitalar estabelecidas pela ANVISA nada mais são do que uma reinterpretação no primeiro nível de Acreditação da ONA, que trata basicamente de condições de infra-estrutura e equipamento das unidades de saúde. Recentemente o Ministério da Saúde revogou a Portaria 538 fazendo com que a ONA e a CBA pudessem competir no mercado brasileiro de acreditação, inclusive nos estabelecimentos públicos, com igualdade de condições.

Desde sua criação até a primeira metade de 2010 a ONA já acreditou 232 entidades no Brasil, incluindo hospitais, laboratórios, bancos de sangue, clínicas, ambulatórios e centros cirúrgicos. Sua forte relação com o processo de acreditação de estabelecimentos públicos e privados de saúde em São Paulo estabeleceu para ela uma vantagem comparativa no Estado onde o número de hospitais é maior. Já a CBA acreditou um númerom menor de organizações de saúde com maior concentração no Estado do Rio de Janeiro. No entanto, o número de estabelecimentos de saúde até hoje acreditados não chega sequer a 5% do total de hospitais e instituições de saúde existentes no país. Há portanto um grande e promissor mercado pela frente para que se possa aumentar a qualidade institucional das organizações públicas e privadas de saúde no país.

Acreditação: Processo compulsório ou voluntário?

Ainda que mutos defendam que a acreditação de hospitais deve ser um processo compulsório para efeitos de contratação pelo SUS ou por operadoras privadas, na maioria dos países o processo de acreditação é voluntário. São as próprias preferências dos cidadãos, ao exercer sua liberdade de escolha e estar informado sobre a qualidade das instituições de saúde, que levam as mesmas a buscar voluntariamente acreditar-se junto a uma instituição de avaliação de qualidade em saúde.

A vantagem do processo ser voluntário reside no fato de que, ao ser assim, são as condições reais da concorrência entre as instituições e a divisão da fatia do mercado que aumenta a vontade política e o interesse da gerência e a motivação do staff das instituições hospitalares em se acreditar. Com isso as recomendações dos avaliadores para a acreditação se tornam muito mais consensuadas e o processo de sua implementação passa a ser mais ágil e efetivo.

No meu ponto de vista, não caberia ao Ministério da Saúde obrigar a acreditação hospitalar para estabelecimentos que prestam serviços ao SUS, a não ser em questões que digam respeito a regras mínimas de funcionamento que garantam a segurança do paciente. No entanto, uma vez que instituições acreditadas oferecem uma maior qualidade dos serviçso prestados ao cidadão, se deveria estabelecer, como incentivo, uma remuneração diferenciada para os serviços comprados de instituições que foram acreditadas, como recompensa pelo esforço institucional em manter a qualidade.

O mesmo valeria para instituições hospitalares que prestam serviços no mercado de saúde suplementar. Caberia a cada operadora, neste caso, pagar diferenciadamente por instituições acreditadas ou definir se, no rol de instituições que prestam serviços de saúde para esta operadora, deveriam constar somente instituições acreditadas. Órgãos de regulação de estabelecimentos de saúde, como a ANS, deveriam, por sua vez, estabelecer regras de transparência para que fossem amplamente divulgadas, para os cidadãos e consumidores de planos de saúde, as operadoras que trabalham com um maior número de instituições acreditadas, a fim de facilitar e informar as suas escolhas e indicar suas preferências.

Estado e Mercado não são nem pais nem patrões, mas sim empregados a soldo de contribuintes e cidadãos. É dever de todos não só entender isso, mas lutar para garantir as verdadeiras liberdades de escolha informada. Portanto, ao deixar que ou o Estado ou as instituições de mercado abusem do poder ou vendam mentiras e ilusões, a democracia e a soberania dos cidadãos (já que consumidores todos somos) será sempre uma realidade distante de ser alcançada.

domingo, 19 de setembro de 2010

Foco da saúde está errado, dizem médicos !


Para especialistas, UPAs de Dilma Rousseff (PT) e AMEs de José Serra (PSDB) são prioridades equivocadas

Profissionais apontam que ampliar números de posto de saúde e equipe de Saúde da Família traz resultados melhores RICARDO WESTIN

DE SÃO PAULO

Quando o tema é saúde, duas siglas são repetidamente pronunciadas pelos principais candidatos a presidente.

A petista Dilma Rousseff promete levantar 500 UPAs (prontos-socorros 24 horas). O tucano José Serra pretende abrir 154 AMEs (clínicas com médicos especialistas).

Especialistas em saúde concordam que há carência de prontos-socorros e clínicas com especialistas, mas fazem um alerta: UPA e AME são prioridades equivocadas.

Para eles, as promessas dos candidatos deveriam ser melhorar e multiplicar os postos de saúde e as equipes de Saúde da Família -a "porta de entrada" do SUS (Sistema Único de Saúde).

Cada equipe de Saúde da Família se responsabiliza por um bairro e periodicamente visita todas as casas. Ensina as famílias a evitar doenças, faz diagnóstico precoce e acompanha os tratamentos.

Os postos de saúde, que devem estar espalhados pela cidade, oferecem consultas agendadas com clínicos, pediatras e ginecologistas.

PORTA DE ENTRADA

O raciocínio é simples: a "porta de entrada" deve ser a prioridade porque, ao cuidar das necessidades básicas de saúde, evita que as pessoas adoeçam ou, já doentes, tenham complicações e precisem do serviço especializado do AME ou da UPA.

Um exemplo: se a pessoa teve um diagnóstico precoce de hipertensão, toma os remédios e se consulta no posto de saúde a cada três meses, ela dificilmente sofrerá dos desdobramentos da pressão alta, como um infarto ou um AVC. Assim, não terá de ser levada de emergência para uma UPA.

"Os candidatos não falam da atenção básica à saúde porque não tem apelo para o eleitor, não rende voto", afirma Ligia Giovanella, médica e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública.

Calcula-se que 85% das necessidades de saúde da população possam ser resolvidas pelos postos de saúde e pelo Saúde da Família.

Só os 15% restantes precisariam de prontos-socorros, de hospitais e de especialistas -mais caros do que a "porta de entrada".

"Priorizar UPA e AME é tapar o sol com a peneira", concorda o médico Nelson Rodrigues dos Santos, diretor do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde. "Mas é o que dá ibope aos candidatos."

CARÊNCIAS

A "porta de entrada" -que é financiada pela União, pelos Estados e pelos municípios- tem muitas carências.

No Estado do Rio, só 31,3% da população é coberta pelas equipes de Saúde da Família. A cidade do Rio tem 171 postos de saúde -pelos parâmetros do Ministério da Saúde, deveria ter no mínimo 206.

Para Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, a implantação de UPAs e AMEs -sem as equipes de Saúde da Família e os postos de saúde necessários- desorganiza o SUS. Ambos, no fim, também ficam lotados.

"O paciente que não consegue consulta no posto de saúde e acaba procurando a UPA. Mas fica horas na fila e, quando é atendido, ouve do médico que o caso dele não é de emergência", diz.

E continua: "No posto de saúde, diante de qualquer dorzinha no peito, o médico vai mandar o paciente para o cardiologista do AME. Qualquer diarreia, para o gastro. Ganhando uma miséria no SUS, médico nenhum quer assumir responsabilidade".

Na opinião de Lopes, os assessores de ambos os candidatos "enxergam a saúde pela janela dos gabinetes".

Dilma defende policlínicas semelhantes aos AMEs. Serra quer mutirões de cirurgias de catarata, hérnia e próstata.

Segundo o médico Gilson Carvalho, consultor do Conasems (entidade dos secretários municipais de saúde), o mutirão é emergencial e não pode virar política de saúde.

"O paciente precisa ser atendido quando precisa, e não quando há número suficiente para um mutirão."

Os candidatos não falam da atenção básica à saúde porque não tem apelo para o eleitor

Priorizar UPA [ prontos socorro 24 horas] e AME [Clínicas com médicos especialistas] é tapar o sol com a peneira. Mas é o que dá ibope

sábado, 18 de setembro de 2010

Medicamentos Excepcionais e Prioridades de Saúde no Brasil


André Cezar Medici

Introdução

Há pouco tempo, ouvi um comentário interessante sobre o Brasil numa conferência internacional: o país tem sido criativo em vários campos do conhecimento, ciência e políticas públicas. No entanto, o governo e instituições brasileiras tem utilizado muito pouca avaliação sobre políticas, procedimentos e práticas para a tomada de decisões e o debate sobre o que fazer tem sido baseado mais em subjetividades e influências das mais diversas do que em evidências científicas ou estatísticas. Com isto, acaba havendo um grande disperdício de recursos públicos e até mesmo injustiças sociais na implementação de políticas ou decisões da justiça.

Esta referência se encaixa como uma luva na prática de muitos processos judiciais relacionados a garantias dos direitos individuais em saúde. Todos sabem que muitos dos processos judiciais sobre o uso de medicamentos do SUS que deveriam ser negados, seja pela falta de evidências clínicas, seja pela existência de similares terapêuticos nas listas de medicamentos do SUS, acabam sendo aceitos pela Justiça por desconhecimento ou pelo medo dos juízes em tomar decisões equivocadas sob o argumento de que estas poderiam levar o paciente a agravos de saúde ou até a morte.

Muitos integrantes do poder judiciário sabem que estas decisões podem não ser adequadas e acabam prejudicando o interesse coletivo por atender equivocadamente interesses individuais não compatíveis com as evidências, mas acabam aceitando as pressões dos pacientes, dos médicos e da indústria farmacêutica, em função da inexistência de processos institucionais validados que permita utilizar a medicina baseada em evidência como prática cotidiana para a instrumentalização de decisões judiciais. O Governo, por sua vez, acaba adotando um processo preventivo de reconhecimento de produtos e práticas de saúde que não necessariamente foram testadas, como forma de evitar antecipadamente os embates com os grupos de pressão e o desgaste nos tribunais. Os efeitos desta prática acabam se refletindo no aumento de gastos de saúde que não necessariamente correspondem ao melhor uso dos recursos.

A Política de Assistência Farmacêutica no Brasil

A Política de Assistência Farmacêutica Brasileira institutiu a gratuidade na cobertura de medicamentos - um dos atributos de cidadania conferido aos brasileiros através do SUS. Esta política envolve basicamente os seguintes conceitos: (a) A Farmácia Básica, (b) os Medicamentos Estratégicos e, (c) Os Medicamentos Excepcionais (que a partir de março de 2010 passaram a ser denominados Medicamentos Especializados pelo Ministério da Saúde).

De acordo com o Ministério da Saúde, os medicamentos que integram a Farmácia Básica se destinam ao tratamento e recuperação das doenças que compõe e elenco da Atenção Básica de Saúde. Esses medicamentos são definidos e pactuados entre o Ministério da Saúde, o CONASS(1) e CONASEMS(2) com base na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME). Para a seleção desses medicamentos também são considerados o perfil epidemiológico loco-regional tendo em vista o tratamento das doenças mais prevalentes como diabetes (incluidos as insulinas), hipertensão arterial, asma, rinite, verminoses, medicamentos contraceptivos e insumos para o planejamento familiar, entre outros. Alguns destes medicamentos são comprados pelo Ministério da Saúde e entregues aos governos estaduais para sua distribuição gratuita aos municípios (3).

São considerados medicamentos estratégicos aqueles que garantem aos usuários do SUS o acesso ao tratamento de doenças que configuram problemas de saúde pública, cujo controle e tratamento tenham protocolo e normas estabelecidas e que garantam alta relação custo-efetividade, além de grande impacto socioeconômico. Estes medicamentos atendem aos Programas Nacionais de DST/AIDS (4), Tuberculose, Hanseníase, Lúpus, Tabagismo, Endemias Focais (Malária, Leishmaniose, Esquistossomose, Meningite, Doença de Chagas, Peste, Tracoma, Filariose, Cólera e Micoses Sistêmicas), Sangue e Hemoderivados e os Imunobiológicos. O financiamento e provisão destes medicamentos, diferentemente dos que integram a Farmácia Básica é de responsabilidade exclusiva do Ministério da Saúde.

Por fim, são considerados medicamentos excepcionais, dispensados para toda a população atendida pelo SUS, aqueles necessários ao tratamento de doenças que apresentam as seguintes características: (a) Rara ou de baixa prevalência com necessidade de tratamento com medicamentos de elevado custo financeiro e (b) doença prevalente com necessidade de tratamento com medicamentos de alto valor unitário, para aquelas doenças em que há tratamento no nível da atenção básica, mas o indivíduo apresentou refratariedade ou evoluiu para quadro clínico mais grave (5).

A regressividade no acesso e financiamento aos medicamentos básicos e estratégicos

Ainda que o formato da política de assistência farmacêutica seja uma fonte de orgulho para o governo brasileiro, o país detém sérios problemas no nível de gasto familiar com remédios e no acesso aos medicamentos básicos ou estratégicos supostamente ofertados pelo Governo, especialmente para os grupos mais pobres da população. Como decorrência, o gasto em medicamentos, que representava 45% do gasto total em saúde das famílias brasileiras em 2002 subiu para 49% em 2008, segundo os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE (6).



Por outro lado, o gasto em medicamentos, como parcela do gasto de saúde das famílias, é extremamente regressivo, penalizando mais acentuadamente os segmentos mais pobres da população. O gráfico acima mostra a participação em medicamentos nos gastos totais em saúde da população brasileira por classes de rendimento. Nas classes de renda mais baixa eles representam 76% dos gastos totais em saúde, enquanto que nas classes de renda mais abastadas eles representam menos da metade (em torno de 34%).

Mas mesmo que os mais pobres gastem mais, seus esforços financieiros ainda não são suficientes para alcançar uma boa qualidade de assistência farmacêutica. Dados veiculados pelo CONASS evidenciam que 52% dos brasileiros interrompem o tratamento por falta de dinheiro. Este índice chega a 61% no Nordeste, que é a Região mais pobre do pais.

O Jornal Valôr Econômico (7) publicou, em junho de 2010, uma matéria que mostra que, segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), as familias no Brasil pagam por quase 80% dos gastos totais nacionais com medicamentos, enquanto que nos Estados Unidos e no Japão essa proporção é de 70% e 29%, respectivamente.

Um estudo recente financiado pelo PROESF (8) avaliou a prevalência no acesso a medicamentos de uso contínuo (farmácia básica) para tratar hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e problemas de saúde mental em adultos e idosos residentes na área de abrangência das unidades básicas de saúde (UBS) das regiões Sul e Nordeste do Brasil no ano de 2005 (9). Os dados demonstraram que entre os adultos portadores dessas doenças somente 84% e 79% tiveram acesso total aos medicamentos de uso contínuo para o tratamento das mesmas no Sul e no Nordeste, sendo que 10% e 14% não tiveram nenhum acesso aos medicamentos nas respectivas Regiões. Entre os idosos portadores destas doenças as proporções de cobertura total foram maiores (89% e 85%, respectivamente). O estudo demonstra, no entanto, que entre os grupos de nivel sócio-econômico mais baixo o acesso a medicamentos de uso contínuo é muito menor do que as médias apresentadas, tanto para adultos quanto para idosos, reforçando o fato de que muitas UBS não tem estrutura para a oferta regular de medicamentos básicos para a população que usa o SUS.

A explosão dos gastos com medicamentos excepcionais

Uma vez que a cobertura de medicamentos básicos e estratégicos – os quais respondem pelas prioridades epidemiológicas dos mais pobres – não está sendo alcançada, fica a dúvida de se valeria a pena reconsiderar a atual política de cobertura de medicamentos excepcionais, os quais atendem às necessidades de uma população que apresenta acesso regular aos serviços de saúde, é mais bem informada, tem um nível de renda em média mais elevado e em muitos casos já está coberta pelo sistema de saúde suplementar. Ou pelo menos, se valeria a pena fazer uma triagem previa que tome em conta o status sócio-econômico e o acesso a outras coberturas de saúde da população que solicita medicamentos excepcionais financiados pelo SUS, seja por demanda administrativa, seja pela via judicial, verificando se estes representariam ou não gastos adicionais catastróficos para os requerentes que justifiquem o uso dos escasos fundos do SUS para a sua compra.

Os medicamentos de dispensação excepcional devem ser prescritos e dispensados de acordo com as recomendações dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas elaboradas pelo Ministério da Saúde. Tais protocolos apresentam as recomendações para diagnóstico, tratamento medicamentoso e não medicamentoso e monitoramento dos resultados alcançados. No entanto, muitos medicamentos novos são empurrados para as listas de medicamentos excepcionais por pressões de pacientes, da indústria farmacêutica e das demandas judiciais e o monitoramento dos resultados, como fonte de avaliação, é uma realidade distante do programa na maoiria dos Estados.

Em que pese o esforço do Ministério da Saúde em elaborar e atualizar as listas e protocolos, maiores estudos sobre a evidência clínica destes medicamentos deveriam ser feitos previamente à sua incorporação para que decisões acertadas quanto a compra e distribuição destes medicamentos pelo Ministério da Saúde ou pelos Estados fossem tomadas com precaução e economicidade para os recursos do erário público. Ao mesmo tempo, as decisões quanto a alocar recursos em medicamentos excepcionais deveriam estar condicionadas à cobertura previa das necessidades insatisfeitas quanto a medicamentos básicos e estratégicos. Para tal o Ministério e as Secretarias Estaduais de Saúde deveriam intensificar os esforços de avaliação da cobertura e qualidade dos medicamentos básicos e estratégicos, fornecendo informações e ações oportunas para saciar as necessidades insatisfeitas.

O gráfico abaixo mostra a evolução da execução orçamentária do Ministério da Saúde no que se refere aos gastos com medicamentos entre 2004 e 2009. Fica patente que há uma explosão de gastos com medicamentos excepcionais, comparados com os gastos com medicamentos básicos e estratégicos.




Entre 2004, a soma dos gastos com medicamentos básicos e estratégicos (excluídos os gastos com medicamentos para DTS-AIDS), era praticamente similar aos gastos com medicamentos excepcionais (em torno de R$ 0,83 bilhões). Em 2009, o gasto com medicamentos excepcionais (R$2,6 bilhões) passou a ser cerca de 2,5 vezes superior à soma dos gastos com medicamentos básicos e estratégicos (R$1,1 bilhões). A continuar neste rítmo é de se esperar que os gastos com medicamentos excepcionais passarão a absorver parcelas crescentes do orçamento do Ministério da Saúde, num contexto onde as necessidades de medicamentos básicos e estratégicos continua insatisfeita e os direitos essenciais à saúde dos mais pobres não estão sendo cumpridos.

O Caso do Estado de São Paulo

A explosão dos gastos com medicamentos excepcionais, não é somente um fenômeno do Governo Federal. De acordo com dados apresentados pela médica Maria Cecília Correa (10), assessora do Gabinete do Secretário de Estado da Saúde de São Paulo designada, pelo Dr. Barradas, para Coordenar as Demandas Estratégicas do Sistema Único de Saúde, os gastos com medicamentos excepcionais no Estado subiram de R$221,6 milhões (cobrindo 55 mil usuários) para R$1.369,3 milhões (cobrindo mais de 500 mil usuários), entre 2003 e 2009. No entanto, o custo médio anual dos medicamentos por paciente se reduziu de R$3847 para R$ 2739, em função de várias medidas que vem sendo tomadas para evitar os custos crescentes na concessão de medicamentos excepcionais.

O atendimento as demandas administrativas por medicamentos que não estão presentes nos programas de medicamentos do SUS no Estado de São Paulo estabelece uma série de pre-requisitos que imprimem maior racionalidade para a seleção dos casos e compra de medicamentos, destacando-se, entre eles: (a) a avaliação individual de cada pedido por um Comitê Técnico; (b) o uso das evidências clínicas (medicina baseada em evidência) como avaliação prévia à concessão do pedido; (c) o não fornecimento de medicamentos não registrados na ANVISA ou com alertas dos Comitês de Fármaco-vigilância; (d) o uso obrigatório de medicamentos genéricos quando estes existem como alternativa ao produto solicitado; (e) a negociação dos preços de medicamentos com os produtores, a partir de 2007, com base no uso do Coeficiente de Adequação de Preço (CAP), que permite reduções nos preços de fábrica dos medicamentos comprados pela SES-SP em até 25%.

Por outro lado, o Estado de São Paulo criou o serviço de Triagem Farmacêutica e Nutricional da Grande São Paulo, centralizado no AME Maria Zélia (11), destinado à solução de problemas de assistência farmacêutica para os usuários do SUS. Muitas vêzes, ao não encontrar as prescrições nos locais indicados de distribuição gratuita, os pacientes optam por solicitar os medicamentos ao Estado pela via judicial. As AMEs de assistência farmacêutica recebem as solicitações administrativas de medicamentos e permitem localizar os locais de disponibilidade destes medicamentos na rede SUS do Estado, levando-os para as mãos dos pacientes e evitando novos processos judiciais.

Mesmo com todos esses avanços o número de ações judiciais ativas para medicamentos no Estado em fins de julho de 2010 era de 24,3 mil, número substancialmente maior que as 17,9 mil demandas administrativas ativas por medicamentos. Consequentemente os gastos mensais da Secretaria de Saúde do Estado (SES) com ações judiciais para a compra de medicamentos em 2010 alcançam R$ 57 milhões, enquanto que os gastos médios mensais por demandas administrativas chegam a R$31 milhões.

Por outro lado, as ações judiciais muitas vêzes são tomadas sem a utilização prévia dos mecanismos internos criados pela SES-SP para melhorar o acesso aos medicamentos. Para exemplificar, boa parte das ações judiciais estão associadas a medicamentos que já estão incluidos no Programa de Assistência Farmacêutica do SUS e que poderiam ser obtidos através das AMEs de assistência farmacêutica. Outras ações são tomadas para a aquisição de medicamentos que detém similares terapêuticos do SUS. Portanto, um maior entrosamento entre os usuários, a justiça e a SES-SP são fatores importantes para evitar demandas judiciais desnecessárias, que só consomem recursos do SUS e retardam a cobertura dos pacientes com os medicamentos que necessitam.

Vale destacar também o caráter regressivo das ações judiciais contra o SUS. Uma pesquisa realizada por Ana Luiza Chieffi e Rita Barradas Barata (12), com base no Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) da Fundação SEADE (13) , mostra que em 2006 somente 13% das ações judiciais contra o SUS para a aquisição de medicamentos no Município de São Paulo foram solicitadas por pessoas que vivem em áreas de vulnerabilidade social alta e muito alta. Por outro lado 16% das ações judiciais contempladas para a aquisição de medicamentos foram impetradas por pessoas que vivem em áreas onde não há nenhuma vulnerabilidade social e 31% destas mesmas ações por pessoas que vivem em áreas de vulnerabilidade social muito baixa. Portanto, as ações judiciais reforçam a lógica dos pedidos de medicamentos excepcionais que atendem às patologias dos grupos sociais de mais alta renda.

Considerações Finais

A integralidade, como princípio do SUS, deve ser implementada respeitando o princípio da universalidade. Mas a integralidade é infinita. E tudo que é infinito é inalcançável. Portanto, antes de ser uma meta, a integralidade deve ser um processo. Sua implementação, como processo, deve ser progressiva. Na medida em que o tratamento para uma prioridade de saúde é universalizado, outra prioridade surge para ser universalizada e o espectro do que é saúde integral vai se ampliando de uma forma tangível, pouco a pouco, para todos. No campo dos medicamentos, isto significa que se deve garantir a todos o que coletivamente é mais relevante e, uma vez saciadas as necessidades dos medicamentos mais relevantes, se parte para a cobertura de outros medicamentos, conforme prioridades epidemiológicas, em ordem decrescente.

Esta lógica também deveria prevalecer nos critérios que selecionam quem deveria ser beneficiado por medicamentos excepcionais. Se 20% da população adulta pobre do Nordeste, com problemas de diabetes, hipertensão ou saúde mental, não têm acesso aos medicamentos de uso contínuo que poderiam mantê-las saudáveis, controlar seus sintomas e prolongar suas vidas, porquê se deveria garantir medicamentos para a degeneração macular associada à idade para meia dúzia de indivíduos de alta renda que facilmente poderiam pagar ou eventualmente ter estes gastos cobertos por seus planos de saúde?

Notas

(1) Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde.

(2) Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde.

(3) A Portaria MS/GM nº 204, de 29 de janeiro de 2007, organiza o bloco da Assistência Farmacêutica em três componentes: Componente Básico da Assistência Farmacêutica, Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica e Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional. A Portaria GM/MS nº3.237/2007 aprova as normas de execução e de financiamento da assistência farmacêutica na atenção básica em saúde.

(4) O Brasil foi, de forma pioneira, um dos países a cobrir a gratuidade dos medicamentos para os portadores de DST-AIDS desde a segunda metade dos anos noventa, quando José Serra foi Ministro da Saúde.

(5) Os medicamentos de dispensação excepcional foram regulamentados pela Portaria MS/GM nº 2.577, de 27 de outubro de 2006.

(6) Entre 2002/3 e 2008/9, os gastos em saúde das familias brasileiras, segundo as POFs do IBGE, aumentaram de 5,7% para 5,9% do orçamento das familias, indicando um efeito distinto ao das benesses da gratuidade do SUS apregoado pelo Governo. Vale notar, no entanto, que entre 1995/6 e 2002/3, os gastos em saúde das famílias se reduziram de 6,5% para 5,7%. Portanto, os últimos oito anos parecem ter interrompido a tendência a redução dos gastos em saúde das famílias que se iniciou com o fim da inflação em 1995.

(7) “Acesso a Medicamentos Ainda é Limitado no País”, Jornal Valor Econômico, São Paulo (SP), Terça-Feira, 10 de junho de 2010.

(8) O Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF) é um Programa que vem sendo implementado pelo Departamento de Atenção Básica (DAB) do Ministério da Saúde (MS) com recursos do Banco Mundial.

(9) Ver Panizi, V.M.V. et al., Acesso a Medicamentos de Uso Contínuo em Adultos e Idosos nas Regiões Sul e Nordeste do Brazil, in Cadernos de Saúde Pública, Vol 24, No. 2, Rio de Janeiro (RJ), Fevereiro de 2008.

(10) Os dados foram apresentados no Seminário Judicialização e Prioridades de Saúde no Brasil, organizado pelo Centro Cochrane do Brasil e pelo Banco Mundial, na cidade de São Paulo, no dia 3 de Setembro de 2010.

(11) Localizado à Rua Jequitinhonha, nº 360 - Belenzinho, São Paulo/SP.

(12) Ver Chieffi, A.L. e Barradas, R., “Judicialização da Política Pública de Assistência Farmacêutica e Equidade”, Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro (RJ), 25(8): 1839-1849, ago. 2009.

(13) O IPVS é um Índice construído pela Fundação SEADE, órgão coordenador do Sistema Estatístico do Estado de São Paulo, que que classifica os setores censitários do Município de São Paulo em seis grupos de vulnerabilidade social: nenhuma vulnerabilidade,vulnerabilidade muito baixa, vulnerabilidade baixa, vulnerabilidade média, vulnerabilidade alta e vulnerabilidade muito alta – estratos de 1 a 6, respectivamente.
Postado por ANDRE MEDICI às 12:30 PM 0 comentários Marcadores: Direito Sanitario, Medicamentos Essenciais

Saúde: representantes de candidatos à Presidência expõem programas.

Blog do Cebes.

Três especialistas da área de saúde pública - Helvécio Magalhães Júnior, Renilson Rehen e Suely Rozenfeld - foram os representantes dos candidatos à Presidência da República (PT, PSDB e PSOL, respectivamente) no principal evento das comemorações dos 56 anos da ENSP. Os convidados apresentaram os programas de governo à comunidade científica da área de saúde, em evento realizado no dia 15 de setembro, no auditório térreo da Escola. Cada expositor abordou quatro temas combinados anteriormente: financiamento ao SUS; qualidade da atenção; saúde suplementar; e eficiência da gestão.
Antes do evento, foi formada uma mesa solene com as participações do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, do diretor da ENSP, Antônio Ivo de Carvalho, do secretário de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, Sergio Cortês, do presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado do Rio de Janeiro (Cosems-RJ), Antonio Carlos de Oliveira Junior, e do presidente da Asfoc-SN, Paulo César de Castro Ribeiro.
Tanto os representantes da Asfoc quanto os do Cosems-RJ parabenizaram a Escola pelos seus 56 anos de luta pela Reforma Sanitária brasileira e pela construção de uma qualidade de vida mais justa para a população do Brasil. Já o secretário Sérgio Cortês aproveitou a oportunidade e entregou um ofício conjunto do Conass/Conasems para os três representantes dos candidatos, resultado do congresso das instituições, realizado em Gramado (RS) em maio de 2010, trazendo uma série de propostas para a saúde pública. Por fim, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, destacou que o momento político do debate é ideal para a instituição, uma vez que a Fundação realizará, em breve, seu VI Congresso Interno, e as deliberações deverão estar em consonância com as políticas públicas do país para os próximos anos.
O diretor da ENSP, Antônio Ivo de Carvalho, que coordenou os debates, lembrou que as comemorações do aniversário da Escola são oportunidades de reafirmar o compromisso da instituição com a sociedade. "Não houve momento, nessas cinco décadas, em que a Escola não tenha estado presente na construção da história da saúde, da ciência e tecnologia e da cidadania do Brasil", afirmou. Antônio Ivo leu o documento que serviu de base para as exposições de cada especialista. O texto compõe um conjunto de discussões dentro do VI Congresso da Fiocruz e, apesar de estar ainda em construção, será um capítulo do documento-base de abertura do congresso.
O representante da candidata Dilma Rousseff, do PT, Helvécio Magalhães Júnior, ex-secretário municipal de Saúde de Belo Horizonte e ex-presidente do Conasems, lembrou que defender o SUS é cumprir a Constituição, embora essa mesma Constituição tenha deixado um complexo sistema de saúde para ser cuidado pelos governos, o que deixou livre um espaço para a iniciativa privada. "Não podemos confundir a liberdade de iniciativa privada com a privatização do Estado na sua lógica de gestor e regulador do Sistema Único de Saúde", afirmou. O expositor destacou que existem diversas avaliações positivas, de acordo com a Pnad 2008, sobre a qualidade do atendimento na saúde, na extensão da cobertura em várias áreas e nos indicadores epidemiológicos.
Helvécio destacou que, atualmente, um dos problemas mais impactantes para o SUS é o desfinanciamento da saúde. Para ele, o fato de o país contar a renúncia fiscal como gasto público é um grande problema, já que, no montante, o governo gasta pouco com saúde em relação a qualquer país que tenha sistema público universal no mundo desenvolvido. Ele lembrou que o Brasil gasta cerca de 8% do seu PIB com a saúde; no entanto, o problema está na relação público x privado. Segundo o especialista, os 190 milhões de brasileiros usam o SUS de uma ou outra maneira, só que, desse total, cerca de 50 milhões possuem plano privado de saúde. "Temos de mudar radicalmente a postura do Ministério da Saúde no sentido de termos um setor privado submetido à lógica pública, contratualizado, com transparência e controle social, a partir do desenho de redes articuladas públicas e privadas", disse.
Já o representante do candidato José Serra, do PSDB, Renilson Rehen, ex-secretário-adjunto de Estado da Saúde de São Paulo e ex-secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, apresentou quatro importantes desafios para a saúde que integram o programa do candidato do PSDB. O primeiro aborda o envelhecimento da população brasileira, que, apesar de ser uma vantagem, traz mudanças significativas no quadro de saúde da população, com prevalências de doenças crônicas e degenerativas que têm um custo elevado para o SUS, requerendo um novo modelo de atenção para o país. O segundo desafio apresentado é sobre as desigualdades sociais, o que traz inúmeras brechas sanitárias entre as regiões do país e entre os grupos de populações de diferentes níveis socioeconômicos. O terceiro ponto explorado diz respeito à necessidade de responder adequadamente às expectativas da população em relação ao sistema de saúde e, por fim, é a resolução dos problemas pendentes existentes na saúde e manutenção das conquistas sanitárias ao longo dos anos.
Sobre a questão do financiamento, Renilson afirmou que, se colocar mais dinheiro para o modelo de atenção à saúde existente atualmente, não resolverá nada, já que o financiamento destinado à atenção básica será apropriado pelo setor médico e pela alta complexidade, e não destinado às ações de saúde voltadas diretamente para a população. No entender dele, o fim da CPMF não pode ser utilizado como desculpa pelo atual governo pela falta de investimentos na saúde, uma vez que a arrecadação federal cresce a cada ano por conta dos impostos já existentes.
A pesquisadora da ENSP/Fiocruz Suely Rozenfeld, que representou o candidato do PSOL Plínio de Arruda Sampaio, entende que não existe um único projeto para a saúde pública no Brasil, sendo fundamental ampliar o debate para novos projetos com a finalidade de reduzir os índices de desigualdade existentes no Brasil. "Nossa plataforma centra na redução das desigualdades sociais e na não concordância da privatização da saúde, mantendo-a como um serviço público e não com o foco no mercado", afirmou. A pesquisadora criticou os 16 anos de governo do PSDB e do PT, uma vez que não conseguiram resolver as questões da renúncia fiscal, acarretando menos investimentos para a saúde.
"Nós temos de mudar o discurso da saúde e entendê-la como um bem não negociável e não submetido às normas do mercado", disse. Para Suely, o SUS é a saúde suplementar no Brasil, uma vez que ele é complementar para 75% da população que não tem plano de saúde, porque é nele que se tomam vacinas, se faz transplantes, que se tem controle de endemias etc. Seu candidato é ainda contra as privatizações na saúde, uma vez que é certo, para ele, que a relação público x privado carece de maior fiscalização e mostra que as mudanças nos indicadores de saúde são pífias, aumentando, cada vez mais, os índices de desigualdade social no país, principalmente para mulheres e negros.

sábado, 11 de setembro de 2010

A marcha do Brasil para a cobertura universal.

A reforma histórica realizada pelo Brasil em 1988, permitiu que milhões de pessoas obtivessem a cobertura de saúde, mas o sistema carece de fundos suficientes, relata Cláudia Humphreys e Jurberg Gary em uma série sobre o financiamento da saúde.

Em 1988, a metade da população do Brasil não possuía cobertura em saúde. Passadas duas décadas desde que estabeleceu o SUS (Sistema Único de Saúde), estima-se que mais de 75% dos quase 190 milhões de pessoas dependem exclusivamente do SUS para atenção médica. Uma das beneficiárias é Marlene Miranda da Cruz, de 44 anos, que mora na favela de Manguinhos no Rio de Janeiro e recebe assistência através do Programa de Saúde da Família (PSF).

Marlene da Cruz tem como sua fonte de renda a venda de produtos de beleza, tem dois filhos, e um deles sofre de problemas neurológicos e é acamado. Meu filho necessita de atenção 24 horas por dia? ela diz. ?enquanto isso tenho que tomar conta de meus quatro netos?. Hoje ela foi a Clinica do PSF por que seu neto contraiu Catapora. ?Eu sei que serei bem atendida aqui", diz ela.

Marlene Miranda da Cruz é uma das 35 000 pessoas atendidas pela clínica de Manguinhos, que está a cargo de 11 equipes de profissionais de saúde, incluindo médicos, enfermeiros, dentistas e agentes comunitários. "No final do ano haverá 16 equipes para atender 45 000 residentes de Manguinhos ", disse Alex Simões de Melo, gerente da clínica.

O Programa Saúde da Família, que possui a cobertura de cerca de 97 milhões de brasileiros, é um componente chave do Sistema Único de Saúde. Emprega mais de 30.000 equipes de profissionais de saúde que concentram esforços para chegar às comunidades mais pobres e isoladas do país.

Além de fornecer atenção primária gratuita, principalmente por meio do Programa de Saúde da Família, o Sistema Único de Saúde oferece uma ampla oferta de serviços hospitalares, entre eles, cirurgia cardíaca, avançado diagnóstico laboratorial e por imagem. Também oferece suporte a um robusto programa de vacinação, campanhas de prevenção, atendimento odontológico básico e um subsídio de 90% de muitos medicamentos essenciais.

A descentralização tem desempenhado um papel fundamental na reforma do financiamento da saúde no Brasil. Em 1996, por meio de lei especifica foi transferido, parte da competência de gestão e financiamento das ações e serviços de saúde para os 26 estados e mais de 5.000 municípios. Os estados são obrigados a destinar pelo menos 12% do orçamento total para a saúde e os municípios devem investir 15% do seu orçamento na saúde. O governo federal também contribui com o financiamento da saúde por meio do dinheiro arrecadado com impostos.

Na esfera municipal este sistema parece funcionar bem: em 98% dos municípios cumprem a exigência de 15% do orçamento e alguns gastam mais de 30%, de acordo com Antônio Carlos Nardi, secretário de Saúde e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conasems).

"As comunidades estão ativamente envolvidas nas decisões sobre os orçamentos municipais", diz a professora Sulamis Daim, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

"O município de Maringá é um exemplo importante de participação popular", diz Antônio Carlos Nardi, uma vez que a comunidade "participa de debates do município, nos processos de alocação orçamentária, na supervisão das contas e na aprovação dos relatórios anuais de gestão". O município de Maringá, a 400 km a oeste de São Paulo, Paraná, destinou mais de 20% do orçamento total de saúde nos últimos seis anos, bem acima dos 15% exigidos.

Este tipo de compromisso é menos evidente em nível estadual, uma vez que mais da metade dos 26 estados não cumprem a meta de financiamento dos 12%. "Um das deficiências deste sistema é que o conceito de despesas de saúde é muito amplo", diz o Dr. Francisco de Campos, secretário nacional do Departamento de Recursos Humanos em Saúde no Ministério da Saúde. "Alguns estados têm destinado o dinheiro para ações de saneamento ou de financiamento de planos de saúde complementares para os funcionários públicos. Embora isso possa repercutir indiretamente na saúde da população, devemos definir com maior precisão os custos de saúde".

No nível federal, o principal problema é a falta de recursos. De acordo com as Estatísticas Sanitárias Mundiais (World Health Statistics) 2010, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a despesa em saúde por habitante do Governo do Brasil em 2007 foi US$ 252, atrás de países vizinhos, como Argentina, US$ 336 e Uruguai, US$ 431. De acordo com o Dr. Gilson Carvalho, consultor do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, os fundos públicos necessários são de cerca de US$ 73.000 milhões para apoiar o sistema amplo de cobertura universal do Brasil. Isso sugere que o Governo deveria gastar mais de US$ 100 dólares adicionais por habitante atualmente.

Em 1996 o Governo Federal instituiu um imposto sobre as transações financeiras especificamente para financiar a saúde, que em 2007 permitiu recolher cerca de US$20.000 milhões. No entanto, o imposto foi eliminado devido a preocupações com a excessiva carga tributária e a suspeita de que os fundos não estavam sendo inteiramente dedicado à assistência médica conforme planejado. "Isso provocou uma queda imediata na receita proveniente do Ministério da Saúde", diz Francisco de Campos.

José Noronha, ex-secretário de saúde do Rio de Janeiro e do Ministério da Saúde, diz que: "Se o orçamento do Ministério da Saúde ainda estivesse baseado no arcabouço legal de 1988, seria mais do que o dobro do que é hoje".

Na reforma constitucional de 1988 que instituiu o Sistema Único de Saúde, foi determinado que 30% do orçamento para a seguridade social seriam destinados à saúde. "Se 30% do orçamento da seguridade social tivesse sido dedicado aos cuidados de saúde nos últimos 20 anos, o Sistema Único de Saúde estaria no mesmo caminho do sistema público integral de saúde em vigor na Europa e no Canadá, em consonância com princípios de cobertura universal, equitativo e com a participação social no financiamento, "diz Nelson Rodrigues dos Santos, presidente do Instituto de Saúde Direitos.

Sulamis Daim, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, percebe uma falta de compromisso do governo federal, que segundo ela repercute em um impacto direto sobre o Sistema Único de Saúde. "Hoje há um declínio significativo no percentual de gastos federais destinados à saúde em relação às receitas fiscais. Desde a criação do Sistema Único de Saúde, a insuficiência de verbas tem dificultado os investimentos para expandir a oferta de serviços reduzindo a remuneração de procedimentos e serviços", assinala.


O financiamento insuficiente, associado à deterioração das infra-estruturas básicas de saúde e falta de pessoal hospitalar. Muitos pacientes, ao invés de acessar serviços de atenção primária, só entram em contato com o sistema de saúde no último minuto, às vezes por meio dos serviços de emergência. "Como resultado os atendimentos estão saturados com longas filas e listas de espera", diz Nelson Rodrigues dos Santos.

Não é surpreendente que muitos brasileiros optem pelo setor privado para evitar tais atrasos e frustrações. O Brasil tem implementado um sistema de duas camadas, que oferece às empresas e indivíduos particulares a oportunidade de comprar serviços de saúde através de seguradoras privadas reguladas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). As pessoas que contratam um seguro privado se beneficiam da isenção fiscal, mas ainda tem de contribuir para o Sistema Único de Saúde através do seu imposto de renda. O percentual de pessoas que pagam o seguro privado tem aumentado desde 1988, e no ano passado mais de 20% da população optou pela cobertura privada. Vale salientar que esta opção só está disponível para as pessoas com rendimentos mais elevados, os mais pobres devem se contentar com o Sistema Único de Saúde.

Apesar de problemas de financiamento, o Brasil tem registrado melhorias significativas nos indicadores de saúde. "A descentralização, a ênfase na atenção básica e o estabelecimento de transferência automática de recursos federais para os municípios têm um impacto importante sobre os indicadores de saúde", diz José Noronha.

A mortalidade infantil diminuiu de 46 por mil nascidos vivos em 1990, para 18 por mil nascidos vivos em 2008. A expectativa de vida ao nascer para ambos os sexos também aumentou de 67 em 1990 para cerca de 73 anos de 2008. As desigualdades regionais também reduziram. A diferença da expectativa de vida por exemplo, da região sul, mais rica, e do nordeste era de 8 anos em 1990; esta lacuna diminuiu tornando-se a diferença de 5 anos em 2007.

"O Brasil tem feito grandes progressos, mas ainda há muito a ser feito", diz Francisco Campos. "Precisamos de experiência de gestão e dinheiro. se nós apenas limitarmos a investir mais dinheiro no sistema sem monitorar as despesas não haverá melhorias no serviço."

Referência:
JURBERG, Claudia e HUMPHREYS, Gary. Brazil 's march towards universal coverage. Bulletin of the World Health Organization. Volume 88, Number 9, September 2010, 641-716. Publicado no site da World Health Organization. Disponível em
http://www.who.int/bulletin/volumes/88/9/10-020910/en/index.html . Acesso em: dia 08 de setembro de 2010. Traduzido em português pela assessoria técnica do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).