terça-feira, 25 de maio de 2010

Algumas reflexões sobre a dengue.

Foi publicada, no Jornal do Commercio do domingo (23/05), uma entrevista onde exponho alguns pensamentos sobre a situação atual da dengue.
Reproduzo abaixo a entrevista para os poucos que não lêem o JC. Digo poucos porque o JC, assim como sua co-irmã Rádio Jornal do Commercio, é "Pernambuco falando para o mundo".Abaixo o texto da entrevista, feita pela dublê de jornalista e sanitarista Veronica Almeida.“Vamos ter de novo surtos do tipo 3”Publicado em 23.05.2010O médico sanitarista pernambucano Jarbas Barbosa está de volta ao Brasil, depois de dedicar três anos à Organização Pan-Americana de Saúde, nos Estados Unidos. Agora é consultor concursado do Senado, onde pretende colaborar na produção de leis para aperfeiçoar o SUS. Lançou blog (jarbasbarbosa.blogspot.com) para discutir a saúde pública brasileira que, segundo ele, “vive etapa muito pouco crítica, com uma espécie de condescendência corporativa reinando e impedindo o debate”. A seguir, avalia o atual estágio da dengue.JC – Último boletim do Ministério da Saúde apontou aumento de 76% nos casos de dengue no Brasil. Voltamos a perder a guerra para a doença? JARBAS BARBOSA – Dengue é doença muito complexa. Parece conversa de sanitarista para explicar fracassos da saúde pública, mas, nesse caso, é pura verdade. O Aedes aegypti encontrou condições extremamente favoráveis para sua multiplicação na vida moderna. São necessários programas permanentes de prevenção e controle, incluindo fortíssima mobilização social, o que representa enorme desafio. A maneira de avaliar o que está acontecendo com a doença não é simples. A redução do número de casos de um ano para o outro não significa êxito nas ações de controle. JC – Como assim?JARBAS – A transmissão da dengue é tão rápida que o surto num verão é suficiente para reduzir drasticamente o número de pessoas suscetíveis àquele tipo de vírus no ano seguinte. A diminuição no número de casos produz falsa sensação de que a doença está sob controle, mas se a população de mosquitos continua a mesma, é só uma questão de tempo para que outro vírus produza novo surto. A melhor maneira de saber se o programa de controle da dengue está funcionando é monitorar as larvas do mosquito. Não creio que perdemos a guerra, mas a batalha tem que ser permanente. Quem relaxa, pensando que o problema acabou, perde feio da dengue.JC – Por que o vírus DENV1 volta a atingir a população?JARBAS – O DENV1 e o DENV 2 circularam no Brasil, com muita força, há dez ou 15 anos. Nos anos seguintes, como não havia mais pessoas suscetíveis, foram substituídos pelo DENV 3. Agora, todas as crianças que nasceram posteriormente àquela circulação dos vírus 1 e 2, e que não tiveram contato com eles, estão adoecendo. O DENV 2 já havia propiciado surtos de 2007 a 2009, e agora, o DENV 1 é o principal responsável pelos casos de 2010, por esse mecanismo de ressurgimento. Daqui a alguns anos, vamos ter, de novo, surtos pelo DENV 3. JC – Ambientalistas consideram a dengue fruto do desmatamento. O uso de larvicida químico em substituição ao biológico, determinado pelo Ministério da Saúde com apoio da Opas, não faz a natureza e o homem pagarem duplamente pelo problema? JARBAS – Não é só o desmatamento, mas a formidável adaptação do Aedes aegypti às condições ambientais em que vivemos. Basta um vaso de planta, uma calha entupida, uma sacola plástica descartável para oferecer novos criadouros. Cerca de 80% das pessoas vivem em área urbana, muitas em habitações precárias, sem coleta de lixo e com acesso intermitente a água encanada. Além disso, 30% da população não permitem vistoria em suas casas. Se houver larva nos 30%, o trabalho será ineficaz, mesmo que nos 70% tenha sido magnífico. O larvicida e o inseticida continuam importantes, são necessários, mas não suficientes. Larvicidas químicos usados atualmente não oferecem risco à saúde, desde que seja observada a recomendação técnica de forma estrita, para evitar abusos como o do fumacê, que pouco ou nada acrescenta, exceto em situação muito específica de alta transmissão.JC – Não seria mais lógico fazer campanha em favor das florestas, do saneamento básico, da educação e do uso de métodos não agressivos ao ambiente ? JARBAS – Concordo inteiramente que ação mais decisiva para melhorar a infraestrutura urbana, principalmente no acesso à água encanada, retirada do lixo, fiscalização sobre pontos de alto risco e informação para que cada família saiba como manejar seu próprio ambiente doméstico, faria diferença tremenda no controle da dengue. JC – Quais as perspectivas mundiais ? JARBAS – A dengue é uma doença em expansão porque as condições favoráveis ao mosquito são globais e não existe intervenção ou ferramenta capaz de erradicá-la. Por outro lado, é possível mantê-la sob controle, com combinação inteligente do trabalho dos agentes de saúde ambiental com a mobilização comunitária e as intervenções do poder público no espaço urbano. Além disso, é fundamental preparar serviços de saúde para identificar rapidamente os casos tendentes ao agravamento, para evitar mortes. Há vacinas em estudo. A mais próxima de virar realidade ainda deve demorar pelo menos uns cinco a sete anos.JC – O senhor comandou por mais de uma década o setor de epidemiologia no Ministério da Saúde, criando novos instrumentos de ação. O que impede Estados e municípios de praticarem boa vigilância das doenças? JARBAS – Nos últimos anos melhorou muito a capacidade do Brasil em vigilância. Recursos foram aumentados, criaram-se cursos, fortaleceram-se laboratórios de saúde pública. Mas há muito que melhorar. Infelizmente, somente quando surge epidemia de dengue ou de gripe os tomadores de decisão reconhecem que a vigilância é essencial. Porém, em épocas sem surtos ou epidemias, sempre há disputa por recursos da saúde. Creio que num sistema descentralizado, como o SUS, um dos grandes papéis do ministério é apoiar tecnicamente os Estados e municípios, e, monitorar se as ações de vigilância estão sendo realizadas. No Brasil, a capacidade de implementar ações e o compromisso político entre os mais de 5.500 municípios têm variação imensa. JC – Das áreas do controle da dengue – vigilância ambiental, epidemiológica e assistência médica – qual a mais fragilizada no Brasil?JARBAS – Um bom programa de controle da dengue exige integração. O trabalho de campo para eliminar focos tem que estar integrado com a epidemiologia, que conta os doentes. Já assisti a situações, em municípios do Sudeste, onde a vigilância epidemiológica produzia mapas lindíssimos, mas a ação dos agentes de controle de vetores continuava com programação burocrática, feita seis meses antes, sem agir para controlar os epicentros de surtos. A assistência médica também é fundamental. Com a sucessiva circulação de vários vírus no Brasil, a taxa de casos graves e hospitalizados cresceu, entre 1998 e 2008, de 2,7 para 22,2 por 100 mil habitantes, aumentando a tendência de impactos sobre os serviços de saúde e de mortalidade. JC – O Brasil pesquisa sobre dengue. Há experiências simples e exitosas em diferentes Estados, como aspiradores de mosquito, ovitrampas etc. Por que não é possível massificar as soluções? JARBAS – Infelizmente, não só para a dengue, mas em saúde pública nossa capacidade de testar, com rigor científico, as soluções inovadoras e ver o que efetivamente pode ser incorporado ao dia a dia dos programas ainda é muito falha. Não existe a integração que seria desejável entre os centros de pesquisa com as necessidades do sistema de saúde. Na busca de dar “boa notícia”, pesquisadores anunciam coisas absolutamente inviáveis, como o uso da borra do café para matar larvas, entre muitas outras que colecionei nesses anos. JC – No blog que acaba de lançar, o senhor diz que “En salud publica, hay que ser pesimista, pero sin perder el tesón jamás”. Por que ser pessimista é importante? JARBAS – Essa frase é originada do pensamento formulado pelo filósofo e ativista italiano Gramsci, que disse algo como “a razão deve ser pessimista e a vontade deve ser otimista”. Em saúde pública, análise fria e embasada tecnicamente jamais pode ser substituída pela ‘torcida’. Na pandemia de influenza, isso ficou muito claro. Ministérios que confundiram realidade epidemiológica com sua ‘torcida’ para que a pandemia não chegasse a seus países, não se preparam e tiveram centenas de mortes evitáveis. Na dengue, é semelhante. Avaliação de riscos deve sempre checar os piores cenários possíveis. É o momento do pessimismo. Na hora da ação é que se deve colocar a vontade e a garra que movem a saúde pública.
Postado por Jarbas Barbosa às 09:11 1 comentários

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