segunda-feira, 10 de maio de 2010

Organizações Sociais na Saúde

Julgamento põe em risco hospitais e centros de ciência10 de maio de 2010.

Sessão no STF unirá PT e PSDB em favor do uso de Organizações Sociais para gerir dinheiro público.

Governos terão de "estatizar" serviços se tribunal julgar inconstitucional modelo criado por lei em 1998.

MATHEUS LEITÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA.

Uma sessão do Supremo Tribunal Federal colocará o PT e o PSDB do mesmo lado no calor do período pré-eleitoral. O tribunal julgará este mês a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.923, que questiona a legalidade da gestão pública no modelo de contratação de Organizações Sociais.
A Adin foi proposta pelo PDT e o próprio PT, quando se opunha a esse modelo no governo Fernando Henrique Cardoso. Se a ação for considerada procedente pelo STF, petistas e tucanos ficarão igualmente em apuros: várias instituições estaduais e federais, hoje administradas por OSs, terão de ser imediatamente "estatizadas".
As OSs são entidades privadas sem fins lucrativos, que gerem recursos orçamentários, num sistema de prestação de serviço junto ao poder público. São cada vez mais adotadas porque têm mais flexibilidade. Estão hoje em 14 Estados brasileiros e 71 municípios.
Em São Paulo, por exemplo, 23 hospitais estaduais são geridos por OSs -com contratos anuais, no total, de R$ 1,36 bilhão. O Hospital de Pedreira, na zona sul paulistana, o primeiro a usar esse modelo, por decisão do então governador Mário Covas, tem orçamento de R$ 80 milhões por ano.
São OSs também que administram cinco órgãos do Ministério da Ciência e Tecnologia: a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, o Laboratório Nacional de Luz Síncroton, o Centro de Gestão e Estudos Avançados e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Elas recebem anualmente R$ 70 milhões do governo do PT.
A Empresa Brasil de Comunicação, que administra a TV Brasil e outros canais públicos, mantém contrato de gestão com uma OS, responsável por parte do seu orçamento anual de R$ 350 milhões. "As OSs possibilitam uma gestão mais moderna, menos sujeita aos conhecidos vícios do setor público", afirma a diretora-presidente, Tereza Cruvinel.
O líder do PT na Câmara, Fernando Ferro (PE), diz que o partido terá de se readaptar caso a Adin seja aprovada. "Entramos com a ação em 1998 porque recebíamos muitas denúncias de desvio de dinheiro público. Há usos e usos", diz. "Há mais coerência no PSDB, que criou as OSs, do que no PT, que as criticava e passou a usá-las", declarou o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR).
Criado por lei em 1998, o modelo é contestado por dois motivos: dispensa licitação nas compras e, algumas vezes, tem método de fiscalização considerado frágil (amostragem pelos Tribunais de Contas).
Na época, o então ministro da Reforma do Estado Luiz Carlos Bresser-Pereira, idealizador das OSs, foi acusado pelo PT de fazer uma reforma administrativa neoliberal. "Nunca fui neoliberal na vida. Meu interesse era ampliar o estado social, com mais investimento em educação, saúde, ciência e cultura. O PT estava equivocado e percebeu.Tanto que utiliza o mesmo modelo", diz.
A Folha apurou que o plenário do STF está dividido. Em 2007, o tribunal havia julgado -e rejeitado- uma liminar (leia quadro) que pretendia suspender as OSs enquanto a Adin não tinha o mérito julgado. O resultado pode ter sido uma prévia do que acontecerá daqui a três semanas. Em 2007, os ministros Joaquim Barbosa, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski votaram a favor da concessão da liminar. É possível que eles votem a favor da Adin -e contra as OSs.
Professor da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Menezes afirma que a lei das OSs tem um problema grave: "Há um desvio de finalidade. A licitação deve ser a regra, com pequenas exceções de dispensa. Não pode haver dispensa indiscriminada numa forma de contratação com um volume tão alto de dinheiro público".
O procurador Luís Alberto Thompson Flores Lenz concorda. "O sistema funciona bem, é um avanço, mas tem mazelas de fiscalização. Os Tribunais de Contas dos Estados têm encontrado problemas de direcionamento para OSs sem capacidade para exercer a função", diz. "Qual o critério de escolhas dessas entidades?"
O questionamento é respondido pelo Procuradoria Geral da República no parecer dentro da ação. "Sua contratação [Organizações Sociais] só tem cabimento se tal opção se mostrar técnica e constitucionalmente válida. Isso só pode ser apurado se atendido um processo público de decisão, de que a licitação faz parte", afirma o item 57 do documento, acatando o pedido da Adin parcialmente pela inconstitucionalidade do formato de contratação sem licitação. O parecer ainda pede uma maior fiscalização das OSs e seus gastos -pelo próprio Ministério Público, além dos Tribunais de Contas.
Para o secretário de Saúde de São Paulo, Luiz Roberto Barradas Barata, hospitais geridos por OSs já foram testados e aprovados pela população. !Basta dizer que os dois hospitais com melhor avaliação da Pesquisa de Satisfação dos Usuários do SUS, promovido pela secretaria, são unidades gerenciadas por OSs: o hospital estadual de Ribeirão Preto e o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo".
O assunto chamou a atenção da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Ela pediu para ser ouvida no STF como parte interessada. "Queríamos ajudar o tribunal a tomar sua decisão. Impedir as OSs será um retrocesso. O modelo tem sido fundamental para o avanço da ciência e tecnologia do país", diz o advogado da SBPC, Eduardo Pannunzio.
Estudo do Banco Mundial, de 2008, intitulado "Desempenho hospitalar brasileiro: em busca da Excelência", reprovou os hospitais brasileiros, mas defendeu o uso das OSs no Brasil. "A qualidade de tratamento é superior à de hospitais públicos semelhantes regidos por arranjos organizacionais tradicionais", afirma Gerald La Forgia, especialista em saúde e autor do relatório.

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