sábado, 30 de outubro de 2010

Cinco grandes desafios na saúde a serem enfrentados pelo futuro presidentes do Brasil

Gilson Carvalho [1]

Tentando fazer uma síntese e contribuir para o debate, apresento abaixo os 5 grandes desafios na área de saúde. O novo Presidente do Brasil, a ser eleito em 31/10/2010, terá que enfrentá-los , principalmente, superá-los.

1. SUBMISSÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ÀS LEIS DA SAÚDE.
“Ter a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei”
Parece óbvio, mas, não é real que os administradores transitórios da coisa pública, do Presidente ao aprendiz-estagiário, todos só podem fazer aquilo que está explícito na lei. De tão pressupostamente óbvio, ninguém vigia se isto está acontecendo. Nem os órgãos de controle interno, nem externo, nem o Ministério Público e nem o Judiciário. A lei do SUS é reconhecida, no mundo inteiro, pela excelência da conteúdo e pelo avanço de uma visão futurística de processo de conquista. O que menos fazem governantes, seus agregados (como tem!) e auxiliares é cumprir a legislação. Podem até alardear seu cumprimento, mas descumprem-na à sorrelfa! (Lembrem-se dos processos licitatórios!) Falam alguns que o SUS não deu certo e temos que fazer a reforma da reforma sanitária! Não tenho medo de nenhuma mudança de rota, discutida e sacramentada com a sociedade e no parlamento, já lutei por várias delas, na linha de frente. Tenho, entretanto que alertar que não mudamos o que ainda não aconteceu, nem foi tentado, mesmo que legalmente obrigatório que assim fosse. Temos que tirar o SUS da CF e das Leis e colocá-los em portarias legais, até para saber se ele dá conta do recado de garantir saúde-bemestar-felicidade a todos os cidadãos brasileiros.

BUSCA DE MAIS RECURSOS FEDERIAS E ESTADUAIS PARA A SAÚDE.
“Mais que discursos, planos e propostas mirabolantes o caminho do dinheiro até seu uso final, indica a política priorizada e praticada”.
Lamentavelmente, na época da constituinte o parlamentar que chefiava a equipe que tratava da ordem econômica, em vários contatos de que participei entre muitos, impediu que se definisse o quantitativo de recursos para a saúde. Mais tarde em 2000, feito Ministro da Saúde, ressuscitou o projeto ( de 1993) do Eduardo Jorge, médico sanitarista, deputado federal por São Paulo, que obrigava a União a aplicar em saúde, no mínimo 30% do Orçamento da Seguridade Social e 10% dos recursos fiscais. Para Estados e Municípios os mesmos 10% de suas receitas próprias. Infelizmente foi apenas a fachada da PEC do Eduardo Jorge, uma utilização para legitimação. Por pressão do governo FHC-MALAN em 2000, o que se aprovou, foi menos da metade destes recursos e não mais baseado na receita, mas na variação do PIB. Isto equivaleu a que, tomados os recursos federais, per capita, entre os anos de 1995 e 2008 o maior valor tenha sido o de 1999, um ano antes da aprovação da EC-29! Governo pressionou o Parlamento a aprovar uma nova redação do projeto que adulterou a idéia inicial. Desresponsabilizou-se a União em mais da metade dos recursos previstos e onerou-se Estados em 20% (de 10% para 12%) e Municípios em 50% (de 10% para 15%).
Existe um subfinanciamento grave principalmente praticado pelos Estados e pela União. Entre 2000-2008 a União ficou devendo (ainda deve) , cerca de R$20 bi (corrigidos) por descumprimento da EC-29 inclusive contando recursos de restos a pagar cancelados, condenado pelo TCU e MPF. O conjunto dos Estados, deve, entre 2000 e 2008 cerca de R$27 bi corrigidos. E os municípios, a cada ano, gastam mais com saúde que o mínimo prescrito de 15%. A média a mais chega a 20% o que equivale a 30% acima dos mínimos. Em 2009 colocou cerca de R$11 bi a mais que o mínimo!
Só isto seria suficiente? Não. Mesmo que a União cumpra com os mínimos é necessário repactuar os valores federais. Estas propostas de repactuação estão no parlamento desde 2003, o que demonstra que executivo e legislativo se completam neste pacto de desfinanciar a saúde. A situação acompanhando o governo que não quer gastar mais com saúde e oposição se opondo ao melhor financiamento da saúde para complicar a vida do governo. Dentre os projetos de regulamentação da EC-29 que pode dar mais recursos federais para a saúde, existe o já aprovado no Senado e objeto de desejo da Conferência Nacional de Saúde, do CNS, do CONASS e do CONASEMS. O projeto aprovado no Senado é melhor para a saúde (10% da Receita Corrente Bruta) e o da Câmara, bancado pelo Governo e defendido pela maioria dos parlamentares da situação, pode acrescentar apenas mais 4 bi (ainda que vá buscar na sociedade cerca de 13,5 bi de uma possível nova Contribuição Social para a Saúde - CSS) ou perder mais de 6 bi.
Os Estados têm que colocar mais recursos na saúde. Tem Estado cumprindo apenas menos da metade dos recursos mínimos constitucionais e outros cerca de 1/3. A luta é para que eles cumpram a lei existente deixando de gastar dinheiro de saúde para pagar atividade de previdência (aposentadorias); saneamento (condicionante da saúde, mas não ação de saúde); serviços de saúde próprios de seus funcionários (quebra da universalidade) e outras questões menores.

O MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE: FOCO NOS PRIMEIROS CUIDADOS DE SAÚDE
“Toda vez que não prestamos, de maneira eficaz e efetiva, os primeiros cuidados com saúde, impingimos às pessoas mais sofrimento físico e moral e ao sistema maiores custos.”
Os primeiros cuidados com saúde sempre começam pelas primeiras queixas das pessoas, de forma emergencial ou de rotina. Mais tarde se juntou a isto a idéia de fazer puericultura com acompanhamento de crianças aparentemente sadias, pré-natal, vacinação, aleitamento materno, prevenção e diagnóstico precoce de hipertensão e diabetes, saúde do trabalhador etc. Estes são os principais primeiros cuidados com saúde ao qual se somam as urgências-emergências traumáticas ou não. Esta parte da saúde precisa ter precedência, destaque entre os demais cuidados, sem a visão maniqueísta de cancelar uma para garantir a outra com investimento financeiro e humano.
O novo modelo de fazer saúde é investir mais recursos na Atenção Básica. Isto não pode ficar no discurso, nos programas. Tem que sair para a prática abundantemente. Investir nas atividades de promoção da saúde (mexer com as causas dos problemas de saúde), de proteção da saúde (trabalhar os riscos do adoecer com medidas específicas como vacinas, exames preventivos, uso do flúor, uso de equipamentos de proteção individual e outras muitas ações) e cuidar dos que necessitam quando adoecem e não se conseguiu fazer com que não adoecessem. Gasta-se pouco nesta área (cerca de apenas 20%) dos gastos com saúde e ainda gasta-se, reconhecidamente mal, como em todas as áreas de saúde inclusive no público e no privado.

TRABALHADORES DA SAÚDE
“Os trabalhadores de saúde são, atualmente, o maior problema do Sistema de Saúde, mas, sabidamente a única saída passa por eles, o cerne e a alma de qualquer sistema de saúde.”
Tem-se que investir na força de trabalho de saúde. Trabalhar com a equipe multiprofissional de saúde, em equipe, a favor do cidadão. Isto implica num trabalho de formar melhor os profissionais nas universidades e escolas técnicas e aprimorar o conhecimento daqueles que já estão na rede de serviços de saúde.
Existem distúrbios na formação e conhecimento técnico dos profissionais, na formação humana e no compromisso dos profissionais com a sociedade. De outro lado os empregadores públicos e privados devem garantir condições de trabalho e salário e educação permanente para os trabalhadores de saúde. A área básica, dos primeiros cuidados com saúde exige mais e melhor conhecimento de saúde, ainda que as pessoas imaginem que sejam as áreas especializadas, que trabalham com alto custo e aparelhos, exijam mais conhecimentos. As especialidades ao se louvarem nos aparelhos e na limitação do campo do saber, geralmente são mais valorizadas pela sociedade.
Os profissionais de saúde, em sua quase totalidade, não têm, nem usufruem de um plano de cargos, carreira e salário, ainda que a Lei 8142 desse o prazo de dezembro de 1992 para que todos estados e municípios fizessem seu plano. Confirma-se assim, mais uma vez, o virtual do cumprimento da lei. Não fizeram, não fazem e nada acontece.
Quem assumir a Presidência da República tem que investir mais nos profissionais de saúde, com PCCS, melhores condições de trabalho e salário e educação permanente. Esta é a primeira condição para fazer os cuidados de saúde melhorarem em quantidade e qualidade.

PARTICIPAÇÃO DO CIDADÃO
“Resolver os problemas de saúde do cidadão é a razão de ser do sistema. Tem-se que centrar o sistema no cidadão e incentivar que dele participe como dono e proprietário do Sistema.”
Neste tema estamos nos perdendo. Podemos enxergá-lo sob duas óticas. A primeira é dar espaço ao cidadão para que ele seja mais ativo em relação a seus cuidados com saúde, que receba informação devida e que possa ter autonomia em suas decisões. Deixar da visão que o conhecimento de saúde de profissionais e serviços seja único e soberano. As pessoas precisam participar mais nos seus cuidados, na sua promoção, proteção e recuperação da saúde. Uma das obrigações, também dos governos, é estimular esta responsabilidade individual e coletiva com saúde.
A segunda ótica da participação da comunidade na saúde são os Conselhos e Conferências de Saúde. Uma rede de espaços para que as pessoas possam participar através de proposições e do controle idéia mestra que iniciamos na saúde já no período pré-constitucional em 1983 com as Ações Integradas de Saúde. Os Conselhos precisam assumir seu papel constitucional e legal tanto de participar na proposição dos planos de saúde que devem ser ascendentes, como no controle das ações e serviços de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros. O Conselho é obrigado a acompanhar e fiscalizar o Fundo de Saúde onde devem ser aplicados todos os recursos financeiros da saúde.

Considero estes os cinco, os maiores desafios para o novo Presidente do Brasil.

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