sábado, 2 de outubro de 2010

Impactos econômicos das doenças crônicas e saúde pública no Brasil

O doutor Gilson Carvalho é pediatra, especialista na área de saúde pública e consultor do CONASEMS (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde). Em meio à toda polêmica envolvendo os planos de saúde atualmente, ele concedeu uma entrevista ao Portal Reumatoguia falando sobre a situação da saúde no Brasil, o impacto econômico das doenças crônicas e perspectivas futuras. Segundo doutor Gilson, o modelo de saúde que se desenha é um modelo cada vez mais dependente dos planos e seguros de saúde, pelo menos para aqueles que puderem pagar.

Você é pediatra e especialista em saúde pública. A situação da saúde no Brasil é um assunto recorrente, ainda mais agora que estamos em pleno período de eleição. Você poderia esclarecer um pouco mais de que forma o governo brasileiro está comprometido com questões relacionadas à prevenção e tratamento de doenças crônicas? A OMS, em 2005, lançou uma pesquisa minuciosa sobre o impacto dessas doenças principalmente em países em desenvolvimento. Em que sentido o Brasil vem fazendo sua parte?
As pesquisas junto à população têm colocado a saúde como uma das prioridades na visão dos cidadãos. Nesta hora, pesa muito a insuficiência de serviços de saúde representada pela fila física e pela fila virtual, em que se espera em casa por uma internação, uma cirurgia, um procedimento de alta complexidade.
O compromisso assumido na Constituição Federal de garantir o direito de todos à saúde nem sempre vem sendo cumprido pelos governantes de plantão nas três esferas de governo. É evidente que a responsabilidade pelo déficit da saúde é maior para o Governo Federal, única esfera de que pode arrecadar para a saúde. A União deve para a saúde, desde o ano 2000, cerca de R$ 20 bilhões por descumprimento dos mínimos constitucionais. Em segundo lugar, há o descompromisso dos Estados que, no mesmo período, deixaram de gastar com a saúde cerca de R$ 27 bilhões. Os Municípios vêm gastando 30% a mais que o mínimo e não podem sustentar o SUS de maneira isolada quando a responsabilidade é das três esferas de governo.
Além do baixo investimento em saúde existe a questão da qualidade deste investimento. Não gastamos o pouco dinheiro da melhor forma. Temos perdas por usar um modelo de fazer saúde indevido, baseado no tratamento de doentes e pouco nas questões de promoção e proteção à saúde.
Em relação às doenças crônicas, sua prevenção e tratamento precoce, temos conseguido fazer muito pouco. Precisamos investir mais.
Outra questão é sobre a participação do cidadão na promoção, prevenção e tratamento das doenças que o acometem. Ainda temos uma cultura errada. Jogamos no Estado e nos outros a responsabilidade e culpa de nossos achaques e não nos empenhamos para fazer a nossa parte. A lei de saúde é clara ao afirmar que o dever do Estado de garantir a saúde não pode prescindir da participação dos indivíduos, das famílias, das empresas e da sociedade.

Você quis dizer que quem sustenta o SUS hoje são os municípios?
Segundo um estudo meu, em 2009, os municípios gastaram 19,5% de seu orçamento em saúde. O mínimo a ser gasto seria 15%. Eles estão gastando 30% a mais que o mínimo.
O maior volume de dinheiro é federal porque, constitucionalmente, é a única esfera de governo que pode arrecadar recursos para a saúde. Estados e municípios retiram dinheiro de sua própria receita para investir nesse item.
Na arrecadação, depois das transferências federais para Estados e Municípios e de Estados para Municípios, a União fica com 60%, Estados com 24% e Municípios com 16%.

Existe uma estimativa de quanto o governo (incluindo as três esferas) poderia economizar se investisse em prevenção?
Há um cálculo sempre citado, mas do qual não tenho a fonte, que diz que, para cada R$ 1 usado em prevenção, economiza-se R$ 3. Um dos candidatos ao governo de São Paulo afirmou isso no Jornal do Vale do Paraíba.

Por que é tão difícil mapear o impacto financeiro das doenças crônicas? E das doenças reumáticas crônicas? Até que ponto isso é realmente difícil ou tem sido deixado para um segundo plano?
Há dois caminhos para se conseguir esta informação. Primeiro: pesquisas específicas nos serviços de saúde para levantar o custo da atenção à saúde e estimativas de perdas econômicas. De outro lado tem-se que buscar estes dados no INSS entre os já existentes ou introduzir o estudo da perda em termos de dias perdidos por licença, aposentadoria precoce ou morte.

Por que não se faz isso de forma a obtermos um quadro detalhado da situação brasileira hoje?
Depende de uma decisão política de querer fazer esta e outras pesquisas o que também demanda recursos.

Sabemos que muito tem sido descoberto em relação a como atuam as doenças crônicas, formas de prevenir, novas opções de tratamentos estão surgindo nos grandes centros de estudo. Enquanto isso, na outra ponta, temos uma população que tem dificuldades para ser diagnosticada, de fazer exames nos postos de saúde. O que se tem pensado como solução para diminuir essa imensa distância que há entre as pessoas comuns e os grandes avanços científicos?
Este quadro vem mudando nos últimos 20 anos. Os diagnósticos se tornaram melhores e as fisiopatologias de muitas doenças foram descobertas, entre elas as de varias doenças crônicas. Foram sendo introduzidos vários medicamentos de desenvolvimento mais recente, denominados de medicamentos de especialidades e de alto custo. O problema não é o simples acesso a medicamentos modernos e mais caros. Tem nos faltado o uso de critérios mais científicos (Medicina Baseada em Evidências) no uso e prescrição de medicamentos desde os mais baratos aos mais caros. Não só nesta especialidade, mas nas doenças e agravos em geral. É um desafio que doentes e profissionais não sejam dominados pelos interesses econômicos da indústria e comércio de medicamentos.

O mesmo relatório da OMS citado acima diz que os diversos setores, estatais e privados, devem contribuir para a prevenção e controle das doenças crônicas. Qual seria o papel a ser desempenhado por cada um desses personagens?
Como disse acima, a saúde sendo direito do cidadão e dever do estado não pode excluir a responsabilidade dos cidadãos, das famílias, das empresas e da sociedade. A consciência coletiva de saúde, das doenças e de como preveni-las ainda não está incorporada à mentalidade dos brasileiros. Todos podem ter atitudes de promoção e proteção à saúde: conhecendo o corpo, as doenças e agravos; alimentando-se melhor em quantidade e qualidade; tendo hábitos de higiene e cuidados com o corpo; protegendo-se contra as doenças e os acidentes; responsabilizando-nos nos cuidados com aqueles que de nós dependem como as crianças e os idosos. Nada ou muito pouco pode ser feito pelos serviços de saúde públicos e privados se não houver adesão e participação de cada cidadão.

Que tipo de problemas provavelmente enfrentaremos no futuro pela falta de investimentos em saúde pública no presente?
Vamos enfrentar uma série de doenças crônico-degenerativas cujas consequências poderíamos ter evitado ou minimizado. É importante que se gastem mais recursos e se tenham atitudes positivas de prevenção. Que fique claro que não depende exclusivamente dos governos que, não só na área da saúde mas em outras, não pode fazer nada sem a participação das pessoas.

Você acha que a tendência é ficarmos cada vez mais dependentes dos planos de saúde? Qual é o modelo de saúde que se desenha para o futuro?
Enquanto o SUS não tiver recursos suficientes e não for mais eficiente ele não dará conta de atender bem toda a população. Vão migrar para os planos os que têm renda e, no desespero, aqueles que não têm renda, mas desejam um tratamento diferenciado que imaginam encontrar nos planos. Os dados de 2009 falam em 43 milhões de beneficiários dos planos. Imaginava-se, há 10 anos, que este número fosse de 60 milhões. Não aconteceu, exatamente pela baixa renda das pessoas e alto custo dos planos.
Minha visão de futuro – que é diferente de meu desejo e de meu esforço como cidadão e profissional de saúde – é de que sempre teremos os planos-seguros de saúde. A clientela será a que tem recursos ou trabalha em empresas que garantirão seus planos e para alguns que, mesmo sem dinheiro, farão o sacrifício e pagarão seus planos sem nem mesmo ter recursos.
O SUS depende de vários fatores para melhorar seu funcionamento. O SUS, para dar certo, precisa mexer na ineficiência do uso dos parcos recursos e evitar a perda por uso errado, mau uso e corrupção. Além disso, precisa mexer na insuficiência de recursos buscando mais dinheiro para se equiparar ao mínimo gasto por outros países com sistemas universais, tais como o brasileiro

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