quinta-feira, 11 de março de 2010

Direito à Saúde x consumo de saúde.

Direito à saúde x consumo de saúde
Lenir Santos [1]

Tenho insistentemente pregado que o direito à saúde que compete ao SUS vincula-se às ações e serviços previstos nos arts. 200 da CF e 6º da Lei 8.080/90. Sabe-se que o direito à saúde, em seus mais amplos termos, pressupõe não apenas a prestação de serviços assistenciais, mas também qualidade de vida, que por sua vez significa um justo ou razoável modo de viver em sociedade. Mas esse último direito não está no âmbito do SUS.

O direito à saúde, garantido pelo SUS, não pode ser aleatório, sujeito aos desejos e influências mercadológicas, mas sim fundado num determinado padrão assistencial (rol de ações e serviços de saúde), não podendo comportar pretensões médicas e de pacientes considerados individualmente, sem pautas ou contornos jurídicos.

Não estou a dizer com isso que o direito à saúde deve ser cerceado, minimizado, reduzido a ‘cestas básicas de serviços’. Insisto em que esse direito deve ser definido de maneira clara, objetiva, justa – governo e sociedade – ante um mundo em que as inovações tecnológicas em saúde são crescentes e voltadas a construir um ‘mercado’ consumidor de saúde e não um sistema de garantia de direitos.

Na garantia de direitos, o principio da igualdade permeia o acesso e a organização dos serviços. A igualdade deve ser o móvel; no consumo de saúde, a lógica é a de mercado: o acesso é por renda, por segmento social. No primeiro, a cidadania; no segundo, o mercado, a renda e a lógica do lucro.

A saúde pública não pode trilhar o caminho do desejo de consumir. O SUS tem que se pautar por regras claras, objetivas, que compreendam ações e serviços de saúdes necessárias à construção de um padrão de integralidade que trilhe o caminho da igualdade; que incorpore tecnologias e conhecimentos compatíveis com as necessidades coletivas da população, jamais com o desejo de consumir saúde. Muitas vezes, nas ações judiciais, na área da saúde, se valora a vida acima do que ela é valorada no cotidiano por falta de políticas públicas – violadoras da qualidade de vida e da dignidade humana.

Lembro que na saúde deve-se pensar também em deveres sociais, havendo uma responsabilidade social e individual. José Casalta Nabais ressalta que além dos direitos, muitos são os deveres da comunidade, que exige o cumprimento dos deveres imprescritíveis de solidariedade política, econômica e social.

Essa visão mercadológica e tecnológica da saúde, de consumo, é altamente perigosa por transformar cidadãos, pacientes, profissionais de saúde em consumidores de saúde. Exames e intervenções sofisticadas, medicamentos recém-lançados, hospitais sofisticado e serviços de hotelaria cinco estrelas[2], são fatos que oneram a saúde sem modificá-la, ofertando ao mercado os lucros desejados: um bom negócio. Noam Chomsky também assevera que boa parte do consumo é induzido artificialmente e isso vem acontecendo também na saúde!

As grandes modificações são as medidas gerais que impactam toda uma comunidade, como tratar a água e o esgoto, nem sempre a principal preocupação da saúde pública.

Referências Bibliográfica:

José Casalta Nabais. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos; disponível em http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/15184/14748

Noam Chomsky. Segredos, Mentiras e Democracia. Brasília: Editora UnB. 1997. p.127.

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[1] Advogada especializada em Direito da Saúde. Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Sanitário da UNICAMP-IDISA. Coordenadora do IDISA.

[2]A Folha de S.Paulo (29.3.2009 – Cotidiano. C1) menciona em reportagem ‘Hospitais usam hoteleiros para refinar o atendimento’ que os hospitais, como o Albert Einstein, em São Paulo, contratam como coordenadores da governança do hospital, responsáveis por shoppings, como o Iguatemi de São Paulo. Eles adotam as mesmas nomenclaturas de hotéis para os seus serviços, como ‘concièrge’, ‘check-in’, ‘check-out’ e assim por diante.

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