sexta-feira, 5 de março de 2010

Violência contra a mulher: uma questão de saúde pública


Edna Madalozzo - Jornalista

No Brasil a cada quatro minutos uma mulher é agredida em seu próprio lar por urna pessoa quem mantém uma relação de afeto.
Qual protocolo adotar diante disso?

A violência contra a mulher, ou violência de gênero (violência contra a mulher na vida social privada e pública), ocorre tanto no espaço privado quanto no espaço público e pode ser cometida por familiares ou outras pessoas que vivem no mesmo domicílio (violência doméstica); ou por pessoas sem relação de parentesco e que não convivem sob o mesmo teto.

A violência familiar "recobre o universo das pessoas relacionadas por laços consangüíneos ou afins. A violência doméstica é mais ampla, abrangendo pessoas que vivem sob o mesmo teto, mas não necessariamente vinculadas pelo parentesco". Portanto, violência doméstica é qualquer ação ou conduta cometida por familiares ou pessoas que vivem na mesma casa, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher. É uma das formas mais comuns de manifestação da violência e, no entanto, uma das mais invisíveis, sendo uma das violações dos direitos humanos mais praticadas e menos reconhecidas do mundo.

Trata-se de um fenômeno mundial que não respeita fronteiras de classe social, raça/etnia, religião, idade e grau de escolaridade.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a violência doméstica como um problema de saúde pública, pois afeta a integridade física e a saúde mental. Os efeitos da violência doméstica, sexual e racial contra a mulher sobre a saúde física e mental são evidentes para quem trabalha na área. Mulheres em situação de violência freqüentam com assiduidade os serviços de saúde e em geral com "queixas vagas".

"A rota das vítimas de violência doméstica passa regularmente pelos pronto socorros, ambulatórios e hospitais da rede de saúde", que em geral não conseguem fazer o diagnóstico de violência doméstica, assim como não compreendem a magnitude do problema como uma questão de saúde pública e nem conseguem assumir a responsabilidade social que lhes cabe. No Brasil, um outro dado importante é a omissão do poder público que não habilita os(as) profissionais de saúde para o atendimento adequado às mulheres em situação de violência.

Para entendermos porque a violência doméstica é também uma questão de saúde pública, precisamos compreendê-la no seu aspecto numérico (grande número de vítimas que atinge); nas repercussões deletérias na sanidade física e mental, assim como em suas decorrências econômicas para o país: diminuição do PIB (Produto Interno Bruto) às custas do absenteísmo ao trabalho; da diminuição da produtividade; e do período que ficam às expensas da seguridade social.

Dados da violência doméstica
Mundiais
- Um em cada 5 (cinco) dias de falta ao trabalho é decorrente de violência sofrida pelas mulheres em suas casas;
- A cada 5 (cinco) anos a mulher perde 1 (um) ano de vida saudável, se ela sofre violência doméstica;
Em 1993 o Banco Mundial diagnosticou que a prática de estupro e de violência doméstica são causas significativas de incapacidade e morte de mulheres na idade produtiva, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento; e Dados do BID - Banco lnteramericano de Desenvolvimento resultantes de pesquisas realizadas em Santiago (Chile) e em Manágua (Nicarágua), em 1997, concluíram que a mulher agredida física, psicológica ou sexualrnente por seu companheiro em geral recebe salário inferior ao de uma trabalhadora que não é vítima de violência doméstica.

América Latina

A violência doméstica incide sobre 25% a 50% das mulheres; e Os custos com a violência doméstica são da ordem de 14,2% do PIB (Produto Interno Bruto), o que significa 168 bilhões de dólares.

Brasil
- Segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia (Holanda), que pesquisou a violência doméstica em 138 mil mulheres de 54 países, 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica;
- A cada quatro minutos uma mulher é agredida em seu próprio lar, por urna pessoa com quem mantém uma relação de afeto;
- As estatísticas disponíveis e os registros nas Delegacias Especializadas de Crimes contra a Mulher demonstram que 70% dos incidentes acontecem dentro de casa e que o agressor é o próprio marido ou companheiro;
- Mais de 40% das violências resultam em lesões corporais graves decorrentes de socos, tapas, chutes, amarramentos, queimaduras, espancamentos e estrangulamentos;

O Brasil é o país que mais sofre com a violência doméstica, perdendo de 10,5% do seu PIB (Produto Interno Bruto); porém, a magnitude das conseqüências da violência doméstica no Brasil na economia; nos custos para o sistema de saúde, a polícia, o Poder Judiciário, os órgãos de apoio à mulher na própria saúde das mulheres, ainda não pode ser medida com maior precisão, pois as nossas estatísticas necessitam de dados importantes que não são coletados, sobretudo nos serviços de saúde. Eis uma das conseqüências da falta do diagnóstico de violência doméstica nos prontuários médicos.

O PROTOCOLO: considerações e orientações para atendimento à mulher em situação de violência na rede pública de saúde pretende ajudar a suprir tal lacuna.
Abordagem: da omissão ao respeito, estimulando o exercício da cidadania:
De que maneira devemos abordar uma mulher com evidências de violência que chega a uma unidade de saúde? A mulher em situação de violência se apresenta com medo, insegurança, desconfiança, dor, incerteza, frustração, além das lesões físicas... Diante de tal situação, ela, acima de tudo, merece e deve ser atendida com respeito e solidariedade e precisa receber orientações que a ajudem a resolver ou diminuir seus problemas.
Para profissionais de saúde, um outro grande desafio que está colocado é como equacionar a "urgência" ou a "emergência" no momento do atendimento, do ponto de vista da atenção médica e dos demais procedimentos estritamente de saúde, e ao mesmo tempo prestar um acolhimento solidário e digno, ou seja, mais humanizado, capaz de aumentar a auto-estima das mulheres atendidas.

Seja sensível! A mulher que sofreu violência ao chegar aos serviços de saúde, em especial Pronto Socorros, foi e está muito humilhada, é provável que não deseja se expor mais ainda inclusive porque está amedrontada e confusa. Portanto, ao abordá-la não seja evasivo(a). Respeite os limites humanos. Seja discreto(a), mas dê apoio!
Caso perceba que a mulher está relutando em assumir ou relatar a violência que sofreu, bem como revelar seu agressor, procure conversar em local que garanta a privacidade dela; ou solicite ajuda encaminhando-a (por escrito) a profissional ou serviços especializados no trato de tal questão, em sua instituição ou em outro local.

Necessidade e importância do preenchimento detalhado e completo do prontuário

Nos serviços de saúde, uma mulher que sofreu violência deve ter o seu "MOTIVO DE ATENDIMENTO" classificado segundo os critérios de:

Violência física - para agressão física sofrida fora do âmbito doméstico, por exemplo: violências sofrida por trabalhadoras do sexo e por outras mulheres, não enquadrada como violência doméstica;

Violência sexual - estupro ou abuso sexual, em âmbito doméstico ou público, podem também resultar em lesões corporais, DST's (Doenças Sexualmente Transmissíveis); gravidez indesejada e transtornos mentais. Cabe lembrar aqui a situação EM meninas e adolescentes, vítimas preferenciais do abuso sexual, incesto e estupro familiar a questão é realmente grave, 80% dos casos de abuso tem a menina como objeto. O abusador é, predominantemente, o pai consangüíneo e a faixa etária preferencial das meninas agredidas vai de 07 a 1O anos" .

Violência doméstica - relembrando, é a agressão praticada por um familiar contra outro, ou por pessoas que habitam o mesmo teto mesmo sem relação de parentesco.
Diante de tais considerações, é necessário que nos serviços de saúde informatizados sejam criados códigos específicos para classificar e delimitar a violência. Já existe o código geral para violência, que é utilizado para qualquer tipo de violência. Tal código permaneceria para a violência física, independente do sexo, não enquadrada como violência sexual e nem doméstica. Necessitamos criar um código para a "violência sexual", e outro para a "violência doméstica".

Caso o "motivo de atendimento" não seja violência, de qualquer tipo, qualquer profissional de saúde (médico/a; enfermeiro/a; auxiliares de enfermagem; psicólogo/a; assistente social, etc.) que detecte que a mulher atendida sofreu violência, quer seja física, sexual ou doméstica, deverá comunicar o fato ao(à) profissional responsável pela condução do caso e solicitar a correção do "motivo de atendimento" no prontuário.

Nas instituições em que a ficha de atendimento (prontuário) é feita em computador, não basta apenas que risque ou modifique o "motivo de atendimento" no prontuário, mas é necessário também que solicite ao(à) funcionário(a) responsável o preenchimento inicial do prontuário (dados de identificação pessoal) que o faça também nos arquivos de computador. Tal conduta é absolutamente indispensável para que as nossas estatísticas sejam mais reais.
História completa e descrição das lesões. Médicas e médicos precisam estar conscientes de que um prontuário cujo "motivo de atendimento" e diagnóstico é violência física, sexual ou doméstica representa um documento de grande valor legal para as mulheres, pois trata-se do registro mais importante da violência sofrida, logo preenchê-lo adequadamente demonstra o grau de compromisso profissional no combate à violência, Portanto, o prontuário deverá ser preenchido com letra legível e conter a descrição exata das lesões e os encaminhamentos realizados.

O "quesito cor". É necessário que os serviços de saúde adotem o "quesito cor" um dado de identificação pessoal que precisa ser preenchido e considerado no diagnóstico e nas estatísticas de morbimortalidade. "No Brasil a classificação adotada atualmente é a do IBGE, que coleta como dado que permite a identificação racial, a cor da pele (quesito cor), através da auto-classificação, ou seja, "a pessoa entrevistada é quem 'escolhe' e diz 'qual é a sua cor' em uma constelação de cinco itens: preta, parda, branca amarela e indígena. A junção da população preta com a população parda é que possibilita definir população negra".

Os serviços de saúde informatizados que não contemplam o "quesito cor", conforme especificações do IBGE, necessitam fazê-lo. A invisibilidade das populações ditas "não-brancas" nas estatísticas brasileiras é uma herança racista que precisa ser banida, portanto o recorte racial da violência é um dado essencial para o combate às práticas racistas.

Por que, Quando, Como e para Onde encaminhar

Ao diagnosticar violência doméstica, seja firme e solidário(a). Oriente a mulher "a fazer valer" os seus direitos. Apresente-lhes caminhos que possibilitem quebrar o "ciclo da violência". No entanto, nem sempre você encontrará receptividade. Seja tolerante e não imponha o que você considera a "conduta certa". Mesmo considerando que a mulher em situação de violência encontra-se em condição de vulnerabilidade, cabe exclusivamente a ela decidir o que fazer. Respeite o direito dela à autonomia! Apenas faça a sua parte, sobretudo saiba encaminhá-la adequadamente e com presteza.
Os encaminhamentos, internos e externos, devem ser por escrito e registrados no prontuário. Em casos de violência contra a mulher, um documento médico adequadamente preenchido, como o prontuário, é um testemunho que serve para combater a impunidade e pode salvar vidas!

Lembre-se: você é responsável pelo conteúdo de um documento valioso para a saúde e a vida das mulheres e que a omissão, a exemplo do silêncio e da impunidade, é cúmplice da violência!

Encaminhamentos internos:
- Registro da queixa no posto policial da instituição de saúde;
- Serviço Social da instituição de saúde; e
- Serviço de Apoio Psicológico da instituição de saúde.
Encaminhamentos externos:
Delegacia Especializada de Crimes Contra a Mulher;
IML - Instituto Médico Legal;
Centros de Apoio à Mulher - um serviço de apoio social, psicológico e jurídico às mulheres em situação de violência, disponível em vários municípios; ou
Casa Abrigo - recebe mulheres que sofreram violência doméstica e encontram-se em situação de risco de vida. Procedimentos em caso de suspeita de violência sexual
O atendimento à vítima de violência sexual tem os seguintes objetivos:
- Atenção médica;
- Registro adequado das lesões;
- Preservação de possíveis provas que poderão ser importantes posteriormente;
- Prevenção de DST's (Doenças Sexualmente Transmissíveis), inclusive HIV; e
- Prevenção de gravidez indesejada, através da contracepção de emergência.
Oriente a vítima a:
- Se possível não se lavar; ou recuperar a roupa que usava no momento do crime;
- Procurar um serviço de atenção especializado.
- Delegacia, para registro da queixa, na "Delegacia da Mulher" mais próxima ou na própria instituição de saúde;
- IML - Instituto Médico Legal, para realizar "exame de corpo de delito";
- Serviços de saúde que realizam diagnóstico de DST'S, inclusive HIV; e
- Serviços de apoio psico-social.
Lembre-se: mulheres em idade reprodutiva - entre a primeira menstruação (menarca) e a menopausa - necessitam fazer: registro policial da queixa; exame de corpo de delito e receber orientações específicas do Serviço de Atenção à Mulher Vítima de Violência Sexual.

Em tempo:
Em 1999, a Norma Técnica para Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, do Ministério da Saúde, lança as bases operacionais da política de atendimento a mulheres e adolescentes que sofreram violência sexual, estimulando a criação, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), de serviços de atendimento às mulheres violentadas e redes de referência que facilitem o acesso das mulheres a estes equipamentos.
No entanto, a estruturação e manutenção destes serviços e redes não têm sido uma tarefa simples, exigindo continuados esforços de articulação técnica e política. Desta forma, o número de serviços de saúde capacitados a realizar todos os procedimentos previstos na norma técnica, incluindo a interrupção da gravidez, quando é o caso, é insuficiente para o tamanho do país; mesmo onde há serviços, muitas mulheres ainda encontram dificuldades para serem atendidas

Fontes de consulta:
www.datasus.gov.br (documento das instituições femininas mineiras para a Conferência Nacional de Saúde /1998)
www.scielo.br (Cadernos de ´Saúde / 2007)

1910 / 2010 - 8 DE MARÇO - 100 ANOS - DIA internacional DA MULHER ! Departamento de Comunicação - Sindimed
Dia Internacional da Mulher, que este ano comemora 100 anos de existência.


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