quarta-feira, 17 de março de 2010

Saúde do Viajante, regulação sanitária e o direito individual.

Na discussão do Direito Sanitário, que cada vez é mais ampla, dentre os mais diferentes e variados temas, alguns – mesmo bastante importantes e atuais – acabam ficando relegados a um segundo plano, quer seja na discussão de sua formulação e operacionalidade, quer seja na necessidade de sua compreensão e maior divulgação. Nesse contexto, mesmo sedo uma questão bastante nova, o tema “Saúde do Viajante” é mesmo muito pertinente e oportuno, considerando o momento que vivemos mundialmente de Emergências em Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), desastres naturais, re-emergência de doenças Infecto-contagiosas e o intenso fluxo de pessoas e mercadorias entre os mais diversos países.
Liberdade individual e coletiva, cidadania, direito de ir e vir e regulação e responsabilização sanitária, são temas correlatos e de muita importância, na perspectiva dessa discussão quando se depara com necessidades de adoção de medidas de saúde, ditas restritivas, no contexto das ESPPI, que serão aplicadas aos viajantes.
O Regulamento Sanitário Internacional (RSI), cuja revisão foi aprovada em 2005, com o compromisso dos países signatários de colocarem suas diretrizes em prática, em meados de 2007, tem por objetivo prevenir, proteger, controlar e dar uma resposta de saúde pública, frente ao risco de disseminação internacional de doenças, e tem como pressuposto central, uma ação mensurada e respectiva aos riscos à saúde pública, evitando desta forma interferências desnecessárias no tráfego e no comércio internacional.
No Brasil, suas recomendações foram internalizadas por meio da RDC 21, (28/03/2008) e, dentro de sua amplitude destaca-se um extenso cardápio de medidas sanitárias que visam reduzir ou eliminar o risco de disseminação internacional de doenças, por meio de viajantes, a serem implementadas de acordo com RSI.
Mais recentemente, com a Influenza A (H1N1), o país tem se deparado com algumas situações que, embora previstas em Regulamentos, têm gerado questionamentos por parte da sociedade. Destacam-se o impedimento de embarque, com adiamento da viagem quando o viajante apresenta quadro definido como ‘caso suspeito’ e a manutenção de ‘casos suspeitos’ (ameaças à saúde pública) sob observação, hospitalar ou domiciliar. Estas duas situações representam interferência na liberdade ou direito individual de escolha do ir e vir, e preponderância do direito coletivo de proteção da saúde da população.
É certo que na Declaração Universal dos Direitos Humanos “toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e …”, como também na CF/1988 “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…” e, ainda, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
É nesta última frase que se encontra a força (legal) para as medidas restritivas no contexto da Regulação Sanitária: de um lado, os indivíduos têm seus direitos de liberdade, autonomia de escolha e de locomoção; mas de outro lado, o bem estar coletivo deve ser garantido pelo Estado, enquanto promotor e protetor da saúde coletiva.
Por seu lado, a questão ética pode influenciar as situações, colocada de duas maneiras. Uma, quando o indivíduo afetado por problema de saúde que possa ser transmitido, entendendo por si próprio que sua liberdade não deve criar riscos a terceiros, resolve não viajar ou não se deslocar. Assim, nem chegaríamos à situação do Estado ter que intervir. Outra, quando este mesmo indivíduo, não entendendo o seu papel de cidadão (parte de uma sociedade), coloca em primeiro plano a sua vontade, em prejuízo do bem-estar da coletividade. É neste caso que o Estado deve intervir e regular.
Por fim, destaca-se o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, ou seja, as medidas devem ser proporcionais ou compatíveis com o risco. Então, mesmo na aplicação de medida restritiva (legalmente amparada), deve ser considerado o respeito, a urbanidade e, acima de tudo, a dignidade das pessoas. O servidor público, como instrumento de intervenção do Estado, além da cordialidade e respeito com o viajante, deve mantê-lo informado e ciente de todos os acontecimentos e dos seus direitos. Essa atitude, também expressão de conduta ética, pode contribuir na sensibilização do viajante, fazendo-o refletir e reconhecer sua responsabilidade social, contagiando mais pessoas no caminho da cidadania. Em tempos de Gripe A-H1N1, isso é fundamental!

Referências:

Brasil. Constituição Federal 1988. Acesso em 15/02/2010 e disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao_Compilado.htm

OMS. Regulamento Sanitário Internacional, 2005. Acesso em 15/02/2010 e disponível em: http://www.anvisa.gov.br/paf/legislacao/regulatec.htm ehttp://pfdc.pgr.mpf.gov.br/grupos-de-trabalho/saude/docs_publicacao/rsi_cartilha_opas.pdf

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Acesso em 15/02/2010 e disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php

ANVISA. RDC 21. 2008. Acesso em 15/02/2010 e disponível em: http://www.anvisa.gov.br/paf/viajantes/RDC21_08.pdf

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